O meu primeiro contacto deu-se em Zagreb, capital da
Croácia. E foi de surpresa e espanto. Nunca pensei que se pudesse viver tão
intensamente o tempo natalício numa cidade que, durante 45 anos (de 1945 a
1990), esteve sob o regime antirreligioso do Marechal Tito. Na sua praça principal,
“Bana Jelacica”, as crianças faziam fila para tirarem uma fotografia com S.
Nicolau no dia da sua festa litúrgica.
Ao lado, erguia-se um enorme pavilhão com
a inscrição “Advent u Zagrebu” encimada por pinturas alusivas à
Igreja e ao Natal (nada de pai natal nem renas, nem trenós…). Um dístico mais
pequeno dizia : Zagrebacka adventsu.
Não soube fazer a tradução mas vi que esse
pavilhão era o centro para onde convergia toda a gente. Nos gestos e nas
palavras de quem o enchia, adivinhava-se a partilha de amizade num ambiente
festivo. Bem próximo, levantava-se um palco por onde, durante toda a tarde, passaram
grupos musicais e folclóricos, ora de crianças, ora de adultos, que com o brilho
dos trajes e a magia dos cantares natalícios, animavam a multidão que, de pé, os
ouvia com entusiasmo. As ruas que convergiam nesta praça central estavam
ocupadas por “mercadinhos de natal” com artesanato local, esplanadas e
barraquinhas onde se petiscavam salsichas ou “sonhos” e se bebia um copo de
vinho aquecido. Como eram variados os arranjos florais e bonitas as “coroas de
natal”!...

E tudo, mesmo tudo, era pretexto para uma animada conversa com
amigos. Sabendo eu que o ordenado mínimo na Croácia é de 300 euros, que o médio
ronda os 800 euros, que os vencimentos, na sua grande maioria, se aproximam do
mínimo e, ainda, que o custo de vida está ao nível do nosso até porque o Iva é
de 25%, salvo muito raras exceções, interroguei-me como poderia respirar-se
aquele ar tão descontraído e feliz. Fiquei com a ideia de que toda a gente vinha
para a rua para conviver. Mesmo nas esplanadas, fazia-se pouca despesa. Na
grande maioria, apenas, um copo de vinho quente que os acompanhava durante a
noite. Não vi ninguém carregado de compras nem gente a fervilhar em centros
comerciais que não os há. Apenas, rua e convívio. Não apenas jovens. Mas de
todas as idades: crianças, jovens, idosos, famílias inteiras.
Esta mesma vivência comunitária experimentei em
Liubliana, capital da Eslovénia: idêntico ambiente festivo na praça France
Preseren,
nas margens do rio Lublianica e ruas adjacentes; os mesmos
“mercadinhos de natal”, a mesma partilha de convivência e a mesma tradição das
barraquinhas de petiscos e do vinho quente… E flores, muitas flores. Que belas
“coroas” com sementes, flores ou apenas com ramos verdes!...
No domingo, em Zagreb, eram muitas as pessoas que,
antes ou depois de passar pelo mercado ao ar livre de produtos frescos onde os
frutos e as flores encantavam, se dirigiam para as igrejas.
E vi quer a
catedral, cujas torres góticas são o ex-libris de Zagreb, quer a igreja dos
Franciscanos, do século XVII, repletas por uma assembleia de todas as idades.
E
celebrações com cânticos litúrgicos muito participados. Na catedral, o acompanhamento
era feito pelo órgão monumental. Nos franciscanos, foi violino e cravo. Um
encantamento…
Ao entrar na igreja de Santa Maria no bairro Dolac,
ouvi vozes infantis. Ao aproximar-me do altar-mor, vi muitas criancitas,
acompanhadas pelos pais, a rodear um sacerdote que lhes entregava uma prenda
acompanhada por um sorriso e uma carícia. No seu rosto espelhava-se enorme
contentamento. Era o “Jesus da igreja” que lhes trazia as prendas de Natal e
não um qualquer “pai natal” que a publicidade comercial inventou...

Ao ver o modo comunitário como a população destas
cidades celebra a alegria natalícia e ao sentir o júbilo das crianças, lembrei-me
dos meus tempos de menino e não pude deixar de comparar com o que, atualmente, acontece
na nossa terra. Veio-me à mente o que li no livro a “A Era do Vazio”, publicado
em 1983: “ O processo de personalização corresponde à instalação de (…) um novo
modo de gerir comportamentos com o mínimo possível de coação e o máximo
possível de opções, com o mínimo de austeridade e o máximo de desejo, com o
mínimo de constrangimento e o máximo de compreensão”. E esta nova forma de
socialização conduz ao egoísmo e ao vazio interior. Quando redigia este texto,
veio-me à mão a “Magazine” de 15 de dezembro que me deixou a pensar. A propósito
duma entrevista com a psicóloga Diana Cruz, escrevia: “O que pode acontecer a
uma criança que recebe sempre tudo o que pede? É meio caminho andado para ser
um adulto complicado e infeliz, que não sabe tolerar a frustração, que tem dificuldade
em gerir sentimentos e emoções negativas e que nunca conhecerá a satisfação da
conquista das coisas pelas quais nos esforçamos e que é muito gratificante. Significa
que tudo é permitido, que não existem limites. Se uma criança aprende que pode
ter tudo, que a sua vontade não pode ser contrariada e que vale todos os
sacrifícios dos pais ou de quem dela cuida, então temos uma criança que recebe
mas não vive e não valoriza. E isto vai contribuir para um grande vazio de que
resulta uma enorme incapacidade para ser feliz”.


E várias perguntas me assaltam. Será este o paraíso
de que tanto nos fala a nossa sociedade de consumo em que estamos mergulhados?
A abertura ao Ocidente destas culturas de Leste não irá provocar a perda dos
seus valores como, infelizmente, nos aconteceu? Ainda estaremos a tempo de
inventar novos caminhos de felicidade? Como cristãos, que exemplo poderemos
fornecer à sociedade em que vivemos? E a resposta é simples: basta sermos fiéis
ao Evangelho, basta ouvir o que nos diz o Papa Francisco…