O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, janeiro 28, 2025

OS ANO ATENUAM A DOR, MAS AVOLUMAM A SAUDADE...

"Viver mais tempo do que o seu filho não é natural" (Papa Francisco, 31/10/2024) Quinze anos são passados… E o teu sorriso continua a iluminar-nos a saudade… Há uns meses, a Clarinha disse-nos: - ‘Quando for grande, quero ser veterinária, como o tio Zé”. Invoquei esta conversa na Eucaristia em que celebrámos mais um aniversário da tua partida para o Pai. A vida sorria-te. Apaixonado pelo exercício físico, praticaste natação no Porto e andebol no Vigorosa. No ICBAS, criaste o grupo de futebol a que, com o teu humor sempre presente, chamaste “Cinco Vacas Loucas e um Atum” – era o tempo da doença das ‘vacas loucas’ e a equipa era formada por alunos de ‘Veterinária’ e de ‘Ciências do Meio Aquático’. O desporto deu-te uma forte compleição física. Porém, em 2004, começaste a sentir dores nas costas que atribuías ao esforço na tua atividade profissional. Tinhas acabado o curso de Veterinária, com uma especialização em pequenos animais, em Bristol e já trabalhavas em clínicas da Maia e de Espinho. A tua paixão pelos animais de companhia, contagiou toda a família. E os gatos encheram as nossas casas: Tucha, Aia, Shakty e Ruça. Ao ponto de o teu avô, um dia, ser ouvido a dizer: “Ruça, nós estamos velhos; não sei o que vai ser de ti quando morrermos’ E tu brincavas com ele: “Avô, se fosse possível deixar a herança aos animais, já estava deserdado!...” Na véspera do casamento do teu irmão, fomos buscar os resultados dos exames clínicos que havias feito. Foi, então, que soubemos que tinhas um tumor maligno no ilíaco. E decidiste nada dizermos, mesmo à mãe, para não estragar a festa do João Miguel e da Eliana. Nessa noite, ao jantar com amigos, ainda tiveste forças para seres, como sempre, o animador com a piada certeira, a espontaneidade do teu humor, a alegria das tuas gargalhadas. E na celebração do casamento, eras o padrinho feliz que sorria para os noivos. O teu rosto não deu sinais de tristeza. Ainda agora os olhos se me humedecem quando recordo os olhares cúmplices que trocávamos entre nós… Iniciaste então a tua “via-sacra” que passou por sucessivas sessões de Químio e Rádio no IPO do Porto; pelo Instituto Rizzoli em Bolonha com seis cirurgias; pelo Hospital Universitário de Lovaina na Bélgica; por visitas a especialistas de Barcelona e Londres; por incontáveis idas à urgência. A mãe foi sempre a tua companheira, enquanto eu mantinha a minha atividade docente, sem qualquer falta, de tal modo que só os mais próximos se aperceberam da nossa situação. Durante os meses que estiveste em Bolonha, metia-me no avião na 6.ª feira e regressava no domingo. E, só após a primeira chamada dos exames nacionais, é que fiquei convosco. A última vez que foste para o hospital, estava eu a trabalhar e só no fim das aulas é que li o SMS da mãe: “O Zé sentiu-se mais mal, ao almoço não venhas para casa, vai ter connosco ao IPO”. E não mais voltaste… Como te sentias reconfortado e agradecido. Jamais esquecemos as tuas palavras: ´Vós sois duas árvores tombadas, a vossa sorte é que caíste uma sobre a outra e , por isso, vos aguentais de pé’… No teu longo calvário, nunca tiveste uma palavra de revolta e, nos momentos mais duros, o teu maior queixume era: ‘Estou triste’. Nas horas mais horríveis em Bolonha, rezavas o terço. Quando te sentias melhor, levávamos-te à igreja onde participavas na Eucaristia. Aí, te ofereceram a medalha de Nª Senhora que, com o “tau franciscano”, sempre te acompanhou, até no caixão. A “maca” era o altar do teu sacrifício. Partiste. E o sorriso que te iluminava o rosto permanece vivo naqueles que te amam. E a tua memória vive no carinho dos sobrinhos que não chegaram a conhecer-te. (29/1/2025)

terça-feira, janeiro 21, 2025

O NATAL NA VOZ DOS POETAS

No ‘Dia de Reis’, no santuário do Monte da Virgem, após a Eucaristia da tarde, o ‘Ensemble Non Nobis’, da Serra do Pilar, brindou-nos com o Concerto de Epifania’. Harmoniosas e bem dirigidas, dezoito vozes e quatro jovens instrumentistas – órgão, violino, violoncelo e flauta transversal – trouxeram até nós um programa rico e diversificado . Filha de Sião, canta com júbilo, L. Deiss . Ave Maria, Caccini . Deus apareceu na Terra, E. Amorim . Em Belém, Tradic. Francesa, atribuída a P. Corbeil, . O primeiro Natal, Tradc. Inglesa, harm. D. Willcocks . Reis de Nespereira, Tradic. Portuguesa, harm. J. Fidalgo . Pastores que andais na serra, Tradc. De Trás-os-Montes, harm. F. Lapa . Natal de Elvas, harm. M.S. Ribeiro, introd. F. lapa . Tollite Hostias, Camille Saint-Saens Os cânticos foram intercalados por poemas portugueses que suscitaram momentos de profunda reflexão e de inusitada vivência espiritual. E a beleza encheu aquele templo mariano que, ao longo de mais de um século, tem acolhido o louvor de muitas almas apaixonadas pela paisagem e pela devoção à Virgem Santa Maria. E tão belo foi que, a dado momento, me apeteceu dizer como Pedro, no Monte Tabor: “Senhor, que bom é estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas…” (Mt, 17, 4) Não sendo isto possível, decidi prolongar o meu sentimento de júbilo, partilhando com os amigos do facebook os cânticos “Reis de Nespereira”, ‘Pastores que andais na serra” e “Natal de Elvas”. E entre os muitos comentários que logo surgiram a agradecer a partilha e a louvar a música, destaco um que a todos sintetiza: “Obrigada! Linda música, ainda mais neste local e cenário”. ‘Recordar é viver’, diz a sabedoria popular… Como não posso fazer-vos sentir a beleza da música, venho partilhar convosco os poemas, na sequência em que foram apresentados, que nos oferecem motivos de variada reflexão. Natal - “Na noite escura e fria /Onde o Coração se acende, /Lá no estábulo da vida, /Onde a estrela brilha e pende. - O Filho de Deus se apresenta, /No berço humilde sem vaidade, /E ao mundo dá a esperança, /A luz da sua bondade.” (José Régio) O Vidente - “Vimos o mundo aceso nos seus olhos, /E por os ter olhado nós ficámos /Penetrados de força e de destino. - Ele deu carne àquilo que sonhámos, /e a nossa vida abriu-se, iluminada /pelas imagens de oiro que ele vira. - Veio dizer-nos qual a nossa raça, / Anunciou-nos a pátria nunca vista, /E a sua perfeição era o sinal /De que as coisas sonhadas existiam. - Vimo-lo voltar das multidões /Com o olhar azulado e visões /Como se tivesse ido sempre só. - Tinha a face orientada para a luz, / Intacto caminhava entre os horrores, / Interior à alma como um conto.” (Sophia de Mello Breyner) Quando um Homem Quiser - Tu que dormes na calçada do relento /numa cama de chuva com lençóis feitos de vento / tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento /és meu irmão, amigo, és meu irmão - E tu que dormes só o pesadelo do ciúme /numa cama de raiva com lençóis feitos de lume /e sofres o Natal da solidão sem um queixume /és meu irmão, amigo, és meu irmão - Natal é em Dezembro, mas em Maio pode ser /Natal é em Setembro /é quando um homem quiser /Natal é quando nasce /uma vida a amanhecer /Natal é sempre o fruto /que há no ventre da mulher - Tu que inventas ternura e brinquedos para dar /tu que inventas bonecas e comboios de luar/ e mentes ao teu filho por não os poderes comprar /és meu irmão, amigo, és meu irmão - E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei /fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei /pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei /és meu irmão, amigo, és meu irmão” (Ary dos Santos) Candeias “Aquelas que buscam o anel /de um vago arco-íris, /o mais puro leite ainda a fumegar /de um calmo aprisco, /a argolinha da primeira lã de um cordeiro /numa tarde ensolarada, mas fria / e /não esquecem as brasas /ainda quentes /da última lasca de lenha /que teima em arder, /sabem que ao aconchegar o vazio gelado /de quem espera sem ilusão, /oferecem o Natal como candeia.” (Lília Tavares) Muito obrigado, senhor Reitor, por nos ter oferecido este momento de mística espiritualidade! Muitos parabéns, ‘Ensemble Non Nobis’, pelo vosso magnífico concerto! (22/1/2025)

domingo, janeiro 19, 2025

MEMÓRIAS QUE URGE PRESERVAR

No passado dia 7 de dezembro, o CIPA – Centro Interpretativo do Património da Afurada – encheu-se para assistir ao ‘lançamento’ do livro ‘Três Pedaços de Mim’, dum filho da terra, o jornalista José Marques da Cruz que, na ‘Nota Explicativa’, começa por nos dizer: “Porquê ‘Três Pedaços de Mim? (…) Creio que ‘Poemas’, ‘Crónicas’ e ‘Fotografias’ constituem uma trilogia do mais importante que ocupou os meus dias, com sabores e dissabores, altos e baixos, alegrias e tristezas, convicções e sonhos”. Nos poemas, encantou-me o lirismo saudoso e o bucolismo, em ritmo de salmodia, como em ‘Ondas… De Sonhos “que mereceu o seguinte comentário: ‘Um poema feito de mar (…) Apesar de cantado por todos os poetas ao longo dos tempos… este é um Mar muito deste poeta, um Mar de muitas emoções”. “Noite com estrelas. /Na restinga da praia /duas cristas de ondas /correm, brancas e paralelas, /até se abraçarem, / desenhadas pela lua. (…) Parti mais forte, muito mais, /ao sentir as cristas brancas /das ondas mensageiras. / O mar sossegou, então, meus ais. /Serviu-me saudades doces e quentes, /desenhadas pela lua.” (pág. 14) Nas fotografias, afloram rostos duma comunidade sofrida, onde o olhar gaiato das crianças contrasta com o luto das mulheres, que, na ‘Missão Cumprida’, encontra forças para sorrir. Fig. 1 Legenda - MISSÃO CUMPRIDA “O sorriso de satisfação impresso no rosto tisnado pelo sol e pela maresia expressa uma sensação de dever cumprido”. Das crónicas em ‘O Comércio do Porto’, partilho convosco aquela que, por desejo do autor, foi lida na sessão de apresentação. “História Triste de Meninos Tristes. A rapaziada nasceu ali na Ribeira. Há sete, oito anos. Aprendeu, nas vielas húmidas, o que é não ter ‘eira nem beira’. Deu as mãos à rua e à vida. Começou a sentir bem cedo o amargor de vivência à ‘rédea solta’. Ajuda a fazer turismo para os outros verem, enquanto os pais se esfarrapam nas cargas e descargas, e as mães se corcovam carrejoneando uns míseros patacos, ou gritam pregões à beira-rio. A petizada (alguns) da zona das ruas feias e sombrias executou, na tarde soalheira de sábado, sem esperar pela ajuda das trevas, uma artimanha. Ou experimentou alguma técnica que as imagens cinzentas dos écrans pequenos lhes vão repetindo hoje. Repetiram ontem. Há uma semana. Repetirão amanhã. Controlando decerto as ofertas dos transeuntes para que o ‘golpe’ não falhasse de todo, o rapazio de pé descalço, iluminado pela sua pouca idade, engendrou um artifício que lhe permitiu sacar da caixa das esmolas, existente na Rua do Infante D. Henrique, junto da igreja de S. Nicolau, uma nota de vinte escudos. Material de trabalho: um arame. Mas não foi longe o gosto da proeza. Uma senhora, que passava no local, gorou o assalto, apreendendo a nota verde. Verde de uma esperança muito desejada nas privações do dia-a-dia. Acompanhou a actuação com a ameaça de que iria chamar a Polícia. E foi. Da 9.ª esquadra ainda se deslocaram. Os garotos, porém, haviam fugido, repetindo um gesto de quando jogavam a bola na via pública, à falta de parques onde possam viver a sua meninice. Por isso, não foram identificados os miúdos que só pararam muito longe do local do ‘crime’. E longe, bem longe, terão até sorrido com a proeza, balbuciando pragas que o empedrado húmido das ruas íngremes da cidade velha há muito conhece. Será mais uma história que um dia contarão, quem sabe se à viela onde moram, da zona da cidade que os abastardou. Mas decerto não deixarão de levantar o dedo acusador, amaldiçoando a sorte de terem nascido em tugúrios, em terreno fértil ao despontar de vícios que o desdém acarinha. (in “O Comércio do Porto”, 06/11/1972) Quantos destes meninos eu abracei quando, em 1961, com o apoio de Monsenhor Miguel Sampaio, criámos o parque infantil da igreja dos Grilos e, acompanhados por D. Armindo, os levámos a passar quinze dias em Albergaria da Serra… Como recordo a ternura do mais pequenino, de apenas seis anos, que, à noite, adormecia com a mão agarrada à minha, como se fosse a de sua mãe… A apresentação desta obra preciosa – mais que uma biografia, é a história de toda a comunidade, no dizer duma autarca local - esteve a cargo do professor José Vieira que culminou, poeticamente, a sua magnífica intervenção com a leitura da última perícope do Prefácio de que é autor: “A flor, toda a flor é um hino à perfeição. A perfeição contempla-se no silêncio, mas a flor é a rainha do diálogo”. (15/1/2025)

quarta-feira, janeiro 08, 2025

20 ANOS - BANDA SINFÓNICA PORTUGUESA

“Bem pudera Deus nascer / Em cama de pedraria; / Mas p´ra dar exemplo ao mundo, / Nasceu numa estrebaria.” “Nossa Senhora à beira do rio, / Lavava os paninhos do seu bento filho. / Nossa Senhora lavava, São José estendia. / O menino chorava com o frio que fazia.” “Eu hei-de m'ir ao presépio / A assentar-me num cantinho / A ver com'o Deus Menino / Nasceu lá tão pobrezinho.” Estes cânticos, que mergulham no mais profundo espírito natalício da nossa cultura, levaram o músico Luís Cardoso a compor ‘Natal Português’ que a Banda Sinfónica Portuguesa (BSP), dirigida pelo seu diretor artístico, Francisco Ferreira, apresentou, em estreia mundial, no passado dia 8 de dezembro, com a colaboração dos coros das academias de música de Costa Cabral e de Vilar do Paraíso. Foi na Sala Suggia, da Casa da Música, que se encheu para participar no Concerto Comemorativo do 20.º aniversário da BSP. Este concerto, “com o alto patrocínio de Sua Excelência o Presidente da República”, mostrou como a semente pequenina, lançada à terra em 2005, se fez árvore e frutificou… Alimentado por um trabalho árduo e competente, o tronco foi estendendo os seus ramos: *“Ao longo dos anos, tem vindo a apresentar-se nos palcos mais importantes do nosso país, colaborando regularmente com a Fundação da Casa da Música, Coliseu do Porto, Fundação Eng.º António de Almeida, Fundação de Serralves e vários municípios. Destaca-se a realização de concertos na vizinha Espanha…” *“O seu repertório para formação sinfónica estende-se dos arranjos clássicos às obras originais e a muitas estreias de compositores contemporâneos como Luís Tinoco (Prémio Pessoa - 2024), Victorino d’Almeida, Pedro Lima, entre outros. De realçar ainda o trabalho camerístico dos seus grupos e ensembles.” *“Em abril de 2010, lançou o seu álbum ‘A Portuguesa’ com obras exclusivamente de compositores portugueses, num concerto realizado no auditório da faculdade de Engenharia do Porto. Tem vindo a gravar regularmente outros trabalhos.” *”Possibilitou, na maioria dos seus concertos, a apresentação de talentosos solistas nacionais e internacionais, entre os quais Pedro Burmester, Mário Laginha, Sérgio Carolino e vários músicos da própria orquestra. Algumas apresentações contaram ainda com a participação de coros e de grupos como Vozes da Rádio, Quinta do Bill, Quarteto Vintage e European Tuba Trio.” *”Maestros internacionalmente reputados como Jan Cober, José Rafael Vilaplana Ivan Meylemans, entre outros, dirigiram a BSP com enorme sucesso, tendo considerado este projeto como extraordinário e de uma riqueza cultural enorme para Portugal.” *”A componente pedagógica tem levado a BSP a realizar (…) dezenas de cursos de direção e aperfeiçoamento artístico com diversas bandas filarmónicas.” E a árvore, assim frondosa, frutificou em excelência… - “A BSP obteve o 1.º prémio no II Concurso Internacional de bandas de La Sénia, na Catalunha, em 2006, e o 1.º prémio na categoria superior do World Music Contest em Kerkrade, Países Baixos (2011)- com a mais alta classificação alguma vez atribuída em todas as edições deste concurso, considerado o ‘campeonato do mundo de bandas’. - Em 2014, realizou a sua primeira tournée intercontinental pela China.” As perícopes “aspeadas” foram respigadas da ‘folha de sala’ que acompanhou o concerto. No almoço celebrativo que se lhe seguiu, o atual presidente da Direção, maestro Francisco Ferreira, distinguiu com o título de ‘Presidente Honorário’, o seu antecessor, Pedro Silva, que, desde o início e durante mais de 19 anos, presidiu aos destinos da Associação. E a poetisa Cândida Guerrinha recitou o poema ‘Hoje Música Percussão’ que dedicou à BSP, no seu 20.º aniversário: “O poema frui a música / A magia levita e ecoa... / a música irrompe na melodia das flautas, trompetes, / trompas, oboés e clarinetes. (…) A música tem ritmo, tem silêncio, /tem calor, tem Amor. / Voa no espaço e entranha na alma. A música rodopia e embala / O cansaço se esquece do mundo... / Abraça-se os músicos e a música. / A paz sorri... / E viver a vida vale a pena. / Tocai felizes... Sonhe-se o sonho por tudo o que há a viver. /Sonhe-se...” A terminar, faço meus os votos que o presidente da Assembleia Geral, Dr. António Tavares, expressou no final do convívio: Que a BSP continue a trilhar a senda do êxito para honra da Cidade e enriquecimento cultural do País. (8/1/2025)