O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, janeiro 21, 2025

O NATAL NA VOZ DOS POETAS

No ‘Dia de Reis’, no santuário do Monte da Virgem, após a Eucaristia da tarde, o ‘Ensemble Non Nobis’, da Serra do Pilar, brindou-nos com o Concerto de Epifania’. Harmoniosas e bem dirigidas, dezoito vozes e quatro jovens instrumentistas – órgão, violino, violoncelo e flauta transversal – trouxeram até nós um programa rico e diversificado . Filha de Sião, canta com júbilo, L. Deiss . Ave Maria, Caccini . Deus apareceu na Terra, E. Amorim . Em Belém, Tradic. Francesa, atribuída a P. Corbeil, . O primeiro Natal, Tradc. Inglesa, harm. D. Willcocks . Reis de Nespereira, Tradic. Portuguesa, harm. J. Fidalgo . Pastores que andais na serra, Tradc. De Trás-os-Montes, harm. F. Lapa . Natal de Elvas, harm. M.S. Ribeiro, introd. F. lapa . Tollite Hostias, Camille Saint-Saens Os cânticos foram intercalados por poemas portugueses que suscitaram momentos de profunda reflexão e de inusitada vivência espiritual. E a beleza encheu aquele templo mariano que, ao longo de mais de um século, tem acolhido o louvor de muitas almas apaixonadas pela paisagem e pela devoção à Virgem Santa Maria. E tão belo foi que, a dado momento, me apeteceu dizer como Pedro, no Monte Tabor: “Senhor, que bom é estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas…” (Mt, 17, 4) Não sendo isto possível, decidi prolongar o meu sentimento de júbilo, partilhando com os amigos do facebook os cânticos “Reis de Nespereira”, ‘Pastores que andais na serra” e “Natal de Elvas”. E entre os muitos comentários que logo surgiram a agradecer a partilha e a louvar a música, destaco um que a todos sintetiza: “Obrigada! Linda música, ainda mais neste local e cenário”. ‘Recordar é viver’, diz a sabedoria popular… Como não posso fazer-vos sentir a beleza da música, venho partilhar convosco os poemas, na sequência em que foram apresentados, que nos oferecem motivos de variada reflexão. Natal - “Na noite escura e fria /Onde o Coração se acende, /Lá no estábulo da vida, /Onde a estrela brilha e pende. - O Filho de Deus se apresenta, /No berço humilde sem vaidade, /E ao mundo dá a esperança, /A luz da sua bondade.” (José Régio) O Vidente - “Vimos o mundo aceso nos seus olhos, /E por os ter olhado nós ficámos /Penetrados de força e de destino. - Ele deu carne àquilo que sonhámos, /e a nossa vida abriu-se, iluminada /pelas imagens de oiro que ele vira. - Veio dizer-nos qual a nossa raça, / Anunciou-nos a pátria nunca vista, /E a sua perfeição era o sinal /De que as coisas sonhadas existiam. - Vimo-lo voltar das multidões /Com o olhar azulado e visões /Como se tivesse ido sempre só. - Tinha a face orientada para a luz, / Intacto caminhava entre os horrores, / Interior à alma como um conto.” (Sophia de Mello Breyner) Quando um Homem Quiser - Tu que dormes na calçada do relento /numa cama de chuva com lençóis feitos de vento / tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento /és meu irmão, amigo, és meu irmão - E tu que dormes só o pesadelo do ciúme /numa cama de raiva com lençóis feitos de lume /e sofres o Natal da solidão sem um queixume /és meu irmão, amigo, és meu irmão - Natal é em Dezembro, mas em Maio pode ser /Natal é em Setembro /é quando um homem quiser /Natal é quando nasce /uma vida a amanhecer /Natal é sempre o fruto /que há no ventre da mulher - Tu que inventas ternura e brinquedos para dar /tu que inventas bonecas e comboios de luar/ e mentes ao teu filho por não os poderes comprar /és meu irmão, amigo, és meu irmão - E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei /fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei /pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei /és meu irmão, amigo, és meu irmão” (Ary dos Santos) Candeias “Aquelas que buscam o anel /de um vago arco-íris, /o mais puro leite ainda a fumegar /de um calmo aprisco, /a argolinha da primeira lã de um cordeiro /numa tarde ensolarada, mas fria / e /não esquecem as brasas /ainda quentes /da última lasca de lenha /que teima em arder, /sabem que ao aconchegar o vazio gelado /de quem espera sem ilusão, /oferecem o Natal como candeia.” (Lília Tavares) Muito obrigado, senhor Reitor, por nos ter oferecido este momento de mística espiritualidade! Muitos parabéns, ‘Ensemble Non Nobis’, pelo vosso magnífico concerto! (22/1/2025)