DOLOROSAS COINCIDÊNCIAS...
No passado dia 3 de novembro, a Banda Sinfónica Portuguesa, sob a direção de espanhol José Rafael Pascual Vilaplana, apresentou, na Casa da Música, um concerto de homenagem a George Christiaan Gershwin.
A folha de sala informava:
- Sobre o compositor:
“A música de George Gershwin (1898-1937) marcou as primeiras décadas do século XX. A gravação sonora, a radiodifusão e o cinema sonoro foram inovações que facilitaram a circulação da sua música.”
- Sobre o programa:
. A comédia musical ‘Girl Crazy’ reflete a sua maturidade estilística.
. O ‘Concerto para piano’, é uma peça de grande sucesso.
. ‘Porgy and Bess’ é um marco da música dos Estados Unidos da América.
Durante uma hora, mergulhámos no ‘allegro agitato’ das sonoridades dos ‘Loucos Anos 20’.
Mas o prazer estético entrechocava com sentimentos contraditórios que me ocupavam o espírito.
- A começar pela hipótese de, na terça-feira seguinte, a grande nação americana passar a ser governada por um extremista misógino e narcisista que prometeu deportar milhões de pessoas e acabar com as eleições naquela que já foi a maior democracia do Mundo. (cf. JN, 4/11/ 2024). Um autocrata, ‘condenado por 34 crimes’, com olhos que chispam veneno e um discurso de ódio, camuflado numa ‘vozinha’ melíflua que se atreve a invocar o nome de Deus e não tem pejo em falar de amor. Como é possível que tantos americanos o queiram como presidente?
- Também não me deixava a mente a morte dum amigo em cuja ‘Missa de 7.º Dia’ iria participar nessa tarde, na igreja de Rio Tinto.
Em 16 de janeiro de 1993, criou o ‘Orfeão de Rio Tinto’ que cantou a ‘Missa de Corpo Presente’, e, no facebook, noticiou:
“Carlos Teixeira das Neves – É com o mais profundo pesar que o Orfeão de Rio Tinto comunica o falecimento do seu Fundador. O ORT fica mais pobre, mas prometemos seguir o seu Exemplo”.
Sei quanto amava o orfeão porque, quando o criou, éramos colegas na EB2,3 de Rio Tinto. Com que entusiasmo me falava do avanço do seu projeto e como lamentava os ‘pedregulhos’ que lhe estorvavam o caminho. Mas, homem de rija têmpera, nunca soube o que era desistir…
Professor e pintor – a sua presença continua viva em minha casa numa pintura do ‘Porto Histórico’ que muito aprecio - tinha na música a sua grande paixão. O Orfeão foi a menina dos seus olhos… Que Deus o tenha na Sua Paz!
.- No final do concerto, José Vilaplna, natural de Alicante e maestro titular da Banda Municipal de Barcelona, falou-nos, emocionado, da tragédia que se abateu sobre Valência e contou as vivências que partilhou com amigos dessa região. No final, a Banda Sinfónica, em honra desse povo em angústia, brindou-nos com um ‘paso-doble’ que foi ouvido em religioso silêncio.
A nossa mente foi invadida pelas imagens aterrorizadoras de carros empilhados, casas esventradas, pontes derrubadas. E, de modo especial, pelas lágrimas de quem perdeu todos os bens e a dor maior de quantos viram desaparecer familiares e amigos.
Com mais de duzentos mortos, centenas de desaparecidos e mil carros destruídos, é já considerada o pior desastre climático da Europa nas últimas cinco décadas.
O volume de chuvas que caiu na região durante um dia correspondia ao total esperado para um ano inteiro.
E se fosse na nossa terra?...
Tudo isto nos obriga a pôr em causa a arrogância com que os homens, confiados na sua omnipotência técnico-científica, têm subjugado a natureza.
E qual a minha responsabilidade nas alterações climáticas que estão por trás destes transtornos naturais?
Lembremos o que dizia Sarte, para quem o ‘homem está condenado a ser livre’: ‘Tudo me é permitido, menos a má fé”. E a ‘má fé’ consiste em eu desculpar-me com os outros, para não fazer o que devo e fazer o que não devo. É atribuir aos outros a culpa dos meus fracassos… (12/11/2024)
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