O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, novembro 27, 2024

PELA DIGNIFICAÇÃP DOS POVOS COLONIZADOS - (IV) - ANGOLA

A morte do Cardeal D. Alexandre do Nascimento no passado dia 28 de setembro e os quarenta e nove anos da independência de Angola (11/11/1975), fizeram-me evocar o que escreveu Frei José Nunes no seu trabalho: ‘As Missões cristãs nas colónias portuguesas de África- submissão e resistência ao Colonialismo durante o Estado Novo’: “Menos conhecidas que as de Moçambique são as vozes da Igreja que, em Angola, se levantaram contra o poder colonial”. E logo me saltou à mente o nome do arcebispo de Luanda, D. Moisés Alves de Pinho que, em 1883, nasceu em Fiães, Santa Maria da Feira. Membro da Congregação do Espírito Santo, foi ordenado presbítero em 1908 e, em 1932, bispo de Angola e Congo. Aí, dedicou especial cuidado à formação do clero nativo que viria a desempenhar um papel primordial na luta contra o colonialismo e na direção da Igreja do pós-independência, numa Angola dilacerada pela guerra civil. “Substituímos o ensino da História pelo uso da História para ensinar lições de moral” (Tony Judt, professor universitário britânico). Não querendo cair nesse atropelo ideológico que se tornou moda também entre nós, vamos aos factos… Em 1961, a PIDE invadiu o seu ‘Seminário Maior’ e expulsou de Angola três dos seus professores: Vicente Rafael, Alexandre do Nascimento e Joaquim Pinto de Andrade. Este último, irmão de Mário Pinto de Andrade, um dos fundadores do MPLA, esteve preso no Aljube, em Lisboa, e no Forte de Peniche, agora ‘Museu Nacional Resistência e Liberdade’. Os outros ficaram com residência fixa em casas religiosas masculinas. Apesar do seu prestígio – em 1938, fora condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo - e do seu veemente protesto, D. Moisés viu, ainda, o seu vigário-geral, cónego Manuel das Neves, ser expulso e o P. Manuel Franklin, quando estava em Lisboa, acompanhando-o numa viagem a Roma, ser impedido de regressar a Angola. Ambos foram ‘colocados’ com residência fixa em Braga. Destes presbíteros, dois merecem especial relevo: • D. Manuel Franklin da Costa Nasceu em Cabinda, (31/8/1921). Ordenado presbítero, em 1948, foi professor do seminário Maior e, depois de estudar em Paris, seu vice-reitor. Quando a PIDE o proibiu de regressar a Angola, foi acolhido pelos Jesuítas em Braga onde lecionou na sua ‘Faculdade de Filosofia’. Foi aí que o tive como professor de ‘Introdução à Filosofia’. Dizia-se que estava a reescrever a tese de doutoramento sobre Sartre que lhe roubaram no comboio quando ia a Paris fazer a sua defesa. Na verdade, em 1975, viria a doutorar-se com uma tese sobre Sartre. Mas, à boca pequena, contava-se que Salazar o proibira de regressar a Angola, e que não podia sair de Braga. Era assunto perigoso a que nunca fez a mínima referência nem nós ousávamos perguntar. Regressou a Angola, em 1974. Nomeado, em 1975, bispo da Diocese de Henrique de Carvalho, tornou-se, em 1977, arcebispo de Huambo e, em 1986, foi transferido para a Arquidiocese de Lubango. Entre 1982 e 1990, presidiu à Conferência Episcopal de Angola e São Tomé. Era seu aluno quando se deu o 25 de Abril’. Nunca mais o vi, mas, jamais, o esqueci: simples, acolhedor, discreto, afável, sorriso no rosto. • D. Alexandre do Nascimento, Nasceu em Malanje em 1925. Licenciado em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, foi ordenado, em1952, e logo se tornou professor no Seminário Maior e pregador da Sé Catedral. Defensor dos direitos humanos em Angola desde 1957, foi implicado, como D. Franclim, no "Processo dos Padres", um conjunto de decisões repressivas contra a liberdade religiosa levado a cabo pelo governo salazarista contra religiosos considerados subversivos. Foi expulso pelo governo português que lhe fixou residência em Lisboa. Regressado a Luanda após o 25 de Abril, foi nomeado, em 1975, bispo de Malanje e, em 1977, Arcebispo de Lubango. Feito cardeal em 1983, foi transferido, em 1986, para a Arquidiocese de Luanda. Entre 1990 e 1997, foi presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, sucedendo a D. Franclim. Um humanista, promotor da paz e da reconciliação, quando faleceu, com 99 anos, era tido como o mais idoso membro do Colégio de Cardeais. D. Moisés Alves de Pinho merece o nosso reconhecimento como um dos ‘grandes bispos missionários reformadores que têm em comum uma ligação profunda à Diocese do Porto’. (27/11/2024)