O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, outubro 23, 2024

DESPORTO, HUMANISMO E TRANSCENDÊNCIA

Foram muitas as competições desportivas internacionais que preencheram o nosso verão, a começar nos ‘campeonatos da Europa de Atletismo’, passando pelo ‘Euro2024’, ‘Tour’ de França, mundiais de canoagem, ciclismo, futsal, culminando nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, de Paris. Foi neste contexto que li o livro ‘Desporto é dizer transcendência’, cujo autor, o Professor Manuel Sérgio, define a motricidade humana como a energia para o movimento intencional da transcendência. E, com agrado, vi, em 7Margens (16/8/2024), a homilia feita, na festa da Senhora da Assunção, pelo P. Joaquim Félix, que passarei a citar, não deixando, porém, de prevenir que a sua compreensão plena só se alcança com a versão integral. “Vivemos num tempo duríssimo, penoso de suportar, em que as nações também se mostram iradas (cf. Ap 11,18). (…) Ainda assim, neste tempo de antíteses globais, também testemunhámos, durante cerca de duas semanas, experiências de salutar convivência entre as nações. Refiro-me, pois claro, aos Jogos Olímpicos de Paris. Apagou-se a chama olímpica, mas permanecem na memória iluminada imagens de rara beleza. (…) De entre tantas visões (…) há uma que permanece na minha rememoração, de tão formosa que é. E, a seu modo, pode ligar-se com o que celebrámos hoje. Sim, foi a performance da ginasta Filipa Martins. Quem é que não se admirará com as suas elevações, na graciosidade do seu corpo e espírito em voo? (…) Porque tantas modalidades desportivas se fazem neste jogo de elevação? No fundo, do alto e para o alto, o que é um salto? Seria uma boa pergunta para o Prof. Manuel Sérgio. (…) Constituirá ele o desejo de maior experiência de liberdade? Pensando bem, saltar constitui-se como a vontade do ser em libertar-se de atritos, para corresponder ao seu sentido último. (…) Questionado pelas interrogações, fui consultar, de novo, o livro do Professor Manuel Sérgio e penso ter encontrado uma possível resposta, na página 75, na citação que faz de José Carlos Lopes Miranda: “Se nós dizemos que os seres humanos são pessoas, é precisamente porque olhamos pelo prisma daquela dimensão em que eles não coincidem com o mundo porque o transcendem, literalmente, porque sobem mais além). (…) Enquanto animais somos seres do mundo, enquanto pessoas somos seres transcendentes ao mundo. O valor de toda e qualquer pessoa humana assenta na perceção desta descontinuidade ontológica entre a Pessoa e o cosmos, isto é, da sua transcendência face ao mundo”. Da minha leitura, selecionei duas perícopes que podem ajudar a contextualizar esta resposta: - “Em face do que se disse, já se compreenderá melhor porque subordinei as práticas desportivas a uma ética, embora com a sua autonomia e personalidade próprias como ramo actual das ciências humanas. É que, sabendo-se hoje que as notas mais características do conceito de pessoa parecem ser as de singularidade, criatividade, autonomia, liberdade, abertura e comunicação, não se punha outra hipótese que não fosse embeber o conceito de desporto na sua tríplice conformação de pedagogia, lazer e espectáculo, do plasma normativo que trasvasa do humanismo filosófico e do socialismo político. (pág. 16) - “Para uma definição de Homem e de Mulher, começo por um texto de Leonardo Boff. ‘Se Jesus-homem pôde ser a encarnação do Verbo, é porque existia essa possibilidade dentro da natureza humana. Ora, Jesus é homem como nós. Logo, a natureza humana, como tal, comporta essa transcendência e relacionalidade com o Absoluto. Ela pode-se identificar com Ele e fazer parte da Sua história. Por isso, a cristologia pressupõe uma antropologia transcendental: o homem, por sua própria natureza, está dimensionalizado para o Absoluto’ (Jesus Cristo, libertador)” Estes pensamentos vieram-me à mente, por semelhança e contraste, quando, há dias, assistia ao jogo da Liga Europa entre o Futebol Clube do Porto e o Manchester United, no estádio do Dragão… (23/10/2024)

quarta-feira, outubro 16, 2024

"PERGUNTO-ME AGORA: ONDE ACABO EU E COMÇEA O MEU CÃO?"

“A Azinhaga deu-me o que Lisboa não poderia ter dado: aqueles campos, aqueles olivais, a lezíria, o rio Almonda (…) o Tejo e as marachas, os porcos que meu avô Jerónimo guardava, os passeios de barco, as manhãs de pesca, os banhos. (Cadernos de Lanzarote – Diário III e Diário IV, página 277)” Estas palavras, escritas por José Saramago, levaram-nos até Azinhaga do Ribatejo, no concelho da Golegã, onde o Almonda desagua no Tejo. Aproveitando a estadia em Fátima, descemos a serra d’Aire e embrenhámo-nos na verdura dos milheirais ribatejanos em busca da terra, no concelho da Golegã, que foi berço do, até ao presente, único Prémio Nobel de Literatura, de língua portuguesa. O GPS levou-me até ao monumento custeado pelos seus leitores e li o poema inscrito no prédio que lhe fica defronte - “homenagem da Junta de Freguesia de Azinhaga 1922-2022”: “Largo da Praça/De feira franca/Os homens vão/Vão por desgraça/Na tarde branca/Na tarde baça/Buscar patrão. Gestos fugazes/Nessa intenção/E os capatazes/De olhos sagazes:/’Querem patrão’? / Foices de louros/Rosas na mão…” (Augusto do Souto Barreiros). E foi com emoção que, uns metros a seguir, me deparei com a placa: “Aqui nasceu em 16.11.1922 JOSÉ SARAMAGO Premio Nobel da Literatura em 1998”. E logo lembrei o início do seu discurso (7/12/1988). na Academia Sueca. “O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa dum novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto meia dúzia de porcos de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez os meus avós maternos, da pequena criação de porcos que, depois do desmame, eram vendidos aos vizinhos da aldeia. Azinhaga de seu nome, na província do Ribatejo. Chamavam-se Jerónimo Meirinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro. No inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debaixo das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os animaizinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa.” Recordei, então, minha mãe que, quando levava o balde de comida aos porcos, os tratava por ‘meus meninos’ e, na hora da matança, ia com o caneco buscar água à fonte para não ouvir os seus gritos. E interroguei-me: o que ficou desse menino que afirmou: “Ajudei muitas este meu avô Jerónimo nas suas andanças de pastor, cavei muitas vezes a terra do quintal anexo à casa e cortei lenha para o lume, muitas vezes, dando voltas e voltas à grande roda de ferro que acionava a bomba, fiz subir a água do poço comunitário e transportei ao ombro.” (idem)? Para responder, quando cheguei a casa, fui revistar os “Cadernos de Lanzarote” e encontrei muitas marcas dessa infância. A primeira que me surgiu, logo na abertura dos cadernos, em 2 de Janeiro de 1995 (página 9), foi o cuidado que dedicava aos animais. ”Assim como veio, assim se foi. Não vieram reclamá-lo os donos, simplesmente saltou o muro baixo e desapareceu. (…) Buscá-la no meio destes campos, enegrecidos, não poderia ser diferente de procura uma agulha num palheiro. Ainda assim, batemos os arredores até que se fez noite…” Símbolo maior deste carinho que pontilha todo o Diário é a nota que escreveu em 19 de agosto de 1996 “Agora mesmo um após o outro, os cães que vivem nesta casa – o Pepe, a Greta, o Camões – deram as suas três voltas, deitaram-se aos nossos pés, e suspiraram. Eles não sabem que também eu suspirarei quando me deitar. Provavelmente, todos os seres vivos suspiram assim quando se deitam, provavelmente está feito de suspiros o silêncio que precede o sono do mundo. Pergunto-me agora: onde acabo eu e começa o meu cão? onde acaba o meu cão e começo eu? (pág. 390) Esta reflexão trouxe-me à mente o que dizia o nosso José Carlos, veterinário com especialização, em Bristol, sobre pequenos animais: ‘Se as pessoas de idade soubessem o bem que faz ter um animal de companhia em casa, não haveria cães nem gatos abandonados em Portugal’. (16/10/2024)

quarta-feira, outubro 09, 2024

EM FÁTIMA - A NARRATIVA HAGIOGRAFICA DAS IMAGENS

Em vésperas da última grande peregrinação do ano… Sempre que falo de Fátima, recordo um almoço, já lá vão muitos anos… Para além de nós, os anfitriões, participaram Andrés Torres Queiruga, Anselmo Borges e um padre amigo que mostrou desejo de conhecer pessoalmente o teólogo galego que muito admirava. Decorria, então, o processo de beatificação dos ‘Pastorinhos de Fátima’. O nosso amigo discordava da beatificação de crianças e punha em causa o fenómeno de Fátima. Ouvíamos em silêncio até que minha esposa o interrompeu: - “O que eu sei é que lá me sinto bem, numa grande paz interior”. E Torres Queiruga acrescentou: “Padre, isto é que é preciso saber ouvir.” Sem nos questionarmos sobre a distinção aparição/visão, o que sabemos é que, para nós, Fátima é um lugar privilegiado de partilha e vivência espiritual. Quando lá vamos, o programa é quase sempre o mesmo. Após fazer o ‘check in’ no hotel ao lado do santuário, descemos à ‘Capelinha das Aparições’ para um momento de silêncio e oração. Às 18h30, subimos à Basílica de Nossa Senhora do Rosário e participamos na Eucaristia, não sem lamentarmos as condições acústicas que dificultam a compreensão da Palavra. No final da tarde, gostamos de nos sentar no murete do recinto para nos irmanar com as pessoas que, de joelhos, se abeiram na ‘capelinha’. Sem pormos em causa, teologicamente, o seu gesto, pensamos: por grande sofrimento passaram e grande alegria tiveram. E rezamos: - Senhor abençoai-as e aliviai o seu sacrifício. Às 21h30, participamos na oração do terço e na procissão de velas vivenciando a universalidade da Igreja, na diversidade das línguas que se irmanam nas mesmas orações. No dia seguinte, manhã cedo, partimos para a Via-Sacra que termina na capela do Calvário. Tudo nos convida à contemplação, desde o silêncio da natureza ao canto dos passarinhos… E confrontámos a nossa vida com os ´Passos do Senhor’. Com uma ‘Ave Maria’ nos Valinhos e um desvio à Loca do Cabeço… Regressados ao santuário, descemos à ‘Capela da Reconciliação’ para um encontro muito pessoal com nós mesmos. No passado dia 21 de agosto, este programa foi enriquecido com uma novidade que me apraz registar. No hotel, a rececionista ofereceu-nos um desdobrável com informação sobre o santuário: As Aparições; Os videntes de Fátima; Locais e Monumentos; Datas Principais; Planta de Fátima; Atividades do Santuário …” Esta informação despertou-nos para uma realidade a que nunca havíamos prestado atenção: as imagens que enriquecem o santuário. É que em Fátima, habitualmente, olhamos para o íntimo de nós mesmos e o Céu que contemplamos não nos obriga a levantar os olhos… De papel na mão, olhámos para as alturas e observámos, na frontaria da Basílica, as imagens de quatro santos portugueses: S. João de Deus - S. João de Brito - Santo António - São Nuno de Santa Maria. E sobre a colunata, da esquerda para a direita, as estátuas de: St.ª Teresa de Ávila - S. Francisco de Sales - S. Marcelino de Champagnat - S. João Baptista de la Salle - St.º Afonso Maria de Ligório - S. João Bosco com S. Domingos Sávio - S. Luís Maria Grignion de Monfort - S. Vicente de Paulo - S. Simão Stock - St.º Inácio de Loiola - S. Paulo da Cruz - S. João da Cruz - St.ª Beatriz da Silva. No interior da Basílica, encontram-se as imagens dos grandes apóstolos do Rosário e da devoção ao Imaculado Coração de Maria: St.º António Maria Claret - S. Domingos de Gusmão - S. João Eudes - St.º Estêvão, Rei da Hungria”. O meu agradecimento à reitoria do Santuário por esta iniciativa que enriqueceu a nossa peregrinação. (9/10/2024)

quarta-feira, outubro 02, 2024

"BURLADA POR DUPLA QUE LHE PEDIA OURO PARA AFASTAR O MAL"

Este era o título da notícia (JN, 25/8/2024) que dizia: “PJ deteve duas mulheres, de 43 e 47 anos, por fortes indícios de terem burlado em mais de 250 mil euros uma idosa, em Lisboa (…) As detidas abordaram a mulher de 65 anos na rua, em Lisboa, e ‘referiram ter-lhe detetado um grave problema’, disponibilizando- se para a ajudar a ‘derrotá-lo’, o que fariam através de ‘rezas e benzeduras, sobre valores’. Apercebendo-se da vulnerabilidade da vítima, ‘foram-na ludibriando ao longo de meses, levando-a a entregar-lhes todo o dinheiro e ouro que possuía, para ser benzido, sob a falsa promessa de que tudo seria devolvido, quando o mal fosse expurgado’. Para dar mais credibilidade à história, sublinha a PJ, marcavam os encontros na rua, ‘quase sempre junto de igrejas, recebiam discretamente os valores, para serem ‘benzidos’ e alegavam que, para o ‘tratamento’ resultar, ‘a vítima nunca poderia revelar o caso a terceiros.” Mas isto ainda é possível? E a idosa tinha apenas 65 anos… Quero crer que serão raros estes casos, mas há outros em que, mais facilmente, podemos cair. Não foi por acaso que o mesmo JN, no dia 9 de julho passado, sob o título “Se me acontecer alguma coisa sei a quem comunicar, é uma segurança”, consagrou duas páginas ao trabalho das ‘Forças de Segurança’ no apoio a idosos mais isolados, donde respiguei alguns casos e conselhos. I - Burlas a idosos - Ao sair da Missa “Íamos as duas a pé e começamos a falar. Eu disse que ia à missa e estranhei que, na altura dos cumprimentos, ela estivesse atrás de mim a bater-me nas costas. Depois, saímos da missa e, no passeio, disse-me que o meu fio estava a cair. Pedi-lhe ajuda para o tirar e ela meteu-o dentro da minha carteira. Mas, quando cheguei a casa, vi que o lenço de papel não tinha nada e que a mulher tinha levado o fio”, descreve Maria Freitas, de 85 anos, ao JN.” - Enganada por ‘sobrinho’ “Durante a caminhada no Passeio Alegre, no Porto, uma mulher, de 78 anos, foi surpreendida por um automobilista que lhe garantiu ser seu sobrinho. Na sequência do engodo, a idosa entrou na viatura e levou o burlão até à sua própria residência, onde este, após minutos de conversa, lhe perguntou se não tinha notas de 20 para trocar. A vítima foi buscar uma caixa escondida debaixo de um móvel e entregou-a ao criminoso, que depressa fugiu com mais de cinco mil euros em dinheiro e joias”. - Falso acidente “Com 81 anos, uma condutora parou a marcha, na Avenida da Boavista, no Porto, perante o buzinar insistente da viatura que seguia no seu encalce. Foi, então, interpelada pelo automobilista e acusada de ter batido no carro durante uma inversão de marcha que tinha acabado de efetuar. O burlão, após simular um telefonema, apresentou uma conta superior a 900 euros pelos alegados estragos e convenceu a idosa a dirigir-se a um multibanco para levantar 400 euros.” - Simula ser bancário “A partir do Algarve, montaram um esquema com que burlaram 84 idosos em cerca de 2,5 milhões de euros: um telefonava para idosos, fazendo-se passar por bancário, alegava um problema com a conta para forçá-lo partilhar dados pessoais. A informação era passada a outros elementos da rede criminosa, que se deslocavam a casa dos alvos e, através da engenharia social, convenciam os idosos a entregar os cartões bancários. Por fim, os burlões levantavam o dinheiro nas caixas multibanco ou pagavam compras feitas online”. II – Precauções a ter sempre em atenção… - Não abrir a porta “Se vive sozinho, nunca abra a porta a estranhos, mesmo que estes se identifiquem como funcionários de empresas de água ou eletricidade. Tente confirmar se foi marcado algum serviço para a área da sua residência.” - Cuidado com o telefone “Evite referir que mora sozinho quando lhe telefonam para casa. Se suspeitar do telefonema, alerte os vizinhos ou as autoridades.” - Chame a polícia Sempre que, ao volante, for confrontado com um eventual acidente, chame um familiar ou a Polícia ao local. Nunca pague os alegados estragos de imediato. - Nunca confiar “Não confie em pessoas que não conhece, mesmo que estas garantam que são seus familiares. E muito menos permita que entrem na sua residência.” A terminar, lembro a sabedoria popular: ‘Quem me avisa, meu amigo é.’ - ‘Um homem prevenido vale por dois’ - ‘Cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal ao doente.’ (2/10/2024)