DESPORTO, HUMANISMO E TRANSCENDÊNCIA
Foram muitas as competições desportivas internacionais que preencheram o nosso verão, a começar nos ‘campeonatos da Europa de Atletismo’, passando pelo ‘Euro2024’, ‘Tour’ de França, mundiais de canoagem, ciclismo, futsal, culminando nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, de Paris.
Foi neste contexto que li o livro ‘Desporto é dizer transcendência’, cujo autor, o Professor Manuel Sérgio, define a motricidade humana como a energia para o movimento intencional da transcendência.
E, com agrado, vi, em 7Margens (16/8/2024), a homilia feita, na festa da Senhora da Assunção, pelo P. Joaquim Félix, que passarei a citar, não deixando, porém, de prevenir que a sua compreensão plena só se alcança com a versão integral.
“Vivemos num tempo duríssimo, penoso de suportar, em que as nações também se mostram iradas (cf. Ap 11,18). (…)
Ainda assim, neste tempo de antíteses globais, também testemunhámos, durante cerca de duas semanas, experiências de salutar convivência entre as nações. Refiro-me, pois claro, aos Jogos Olímpicos de Paris. Apagou-se a chama olímpica, mas permanecem na memória iluminada imagens de rara beleza. (…)
De entre tantas visões (…) há uma que permanece na minha rememoração, de tão formosa que é. E, a seu modo, pode ligar-se com o que celebrámos hoje. Sim, foi a performance da ginasta Filipa Martins. Quem é que não se admirará com as suas elevações, na graciosidade do seu corpo e espírito em voo? (…)
Porque tantas modalidades desportivas se fazem neste jogo de elevação? No fundo, do alto e para o alto, o que é um salto? Seria uma boa pergunta para o Prof. Manuel Sérgio. (…) Constituirá ele o desejo de maior experiência de liberdade? Pensando bem, saltar constitui-se como a vontade do ser em libertar-se de atritos, para corresponder ao seu sentido último. (…)
Questionado pelas interrogações, fui consultar, de novo, o livro do Professor Manuel Sérgio e penso ter encontrado uma possível resposta, na página 75, na citação que faz de José Carlos Lopes Miranda:
“Se nós dizemos que os seres humanos são pessoas, é precisamente porque olhamos pelo prisma daquela dimensão em que eles não coincidem com o mundo porque o transcendem, literalmente, porque sobem mais além). (…)
Enquanto animais somos seres do mundo, enquanto pessoas somos seres transcendentes ao mundo. O valor de toda e qualquer pessoa humana assenta na perceção desta descontinuidade ontológica entre a Pessoa e o cosmos, isto é, da sua transcendência face ao mundo”.
Da minha leitura, selecionei duas perícopes que podem ajudar a contextualizar esta resposta:
- “Em face do que se disse, já se compreenderá melhor porque subordinei as práticas desportivas a uma ética, embora com a sua autonomia e personalidade próprias como ramo actual das ciências humanas. É que, sabendo-se hoje que as notas mais características do conceito de pessoa parecem ser as de singularidade, criatividade, autonomia, liberdade, abertura e comunicação, não se punha outra hipótese que não fosse embeber o conceito de desporto na sua tríplice conformação de pedagogia, lazer e espectáculo, do plasma normativo que trasvasa do humanismo filosófico e do socialismo político. (pág. 16)
- “Para uma definição de Homem e de Mulher, começo por um texto de Leonardo Boff. ‘Se Jesus-homem pôde ser a encarnação do Verbo, é porque existia essa possibilidade dentro da natureza humana. Ora, Jesus é homem como nós. Logo, a natureza humana, como tal, comporta essa transcendência e relacionalidade com o Absoluto. Ela pode-se identificar com Ele e fazer parte da Sua história. Por isso, a cristologia pressupõe uma antropologia transcendental: o homem, por sua própria natureza, está dimensionalizado para o Absoluto’ (Jesus Cristo, libertador)”
Estes pensamentos vieram-me à mente, por semelhança e contraste, quando, há dias, assistia ao jogo da Liga Europa entre o Futebol Clube do Porto e o Manchester United, no estádio do Dragão… (23/10/2024)