PISAMOS TODOS O MESMO CHÃO
A inspiração para este texto surgiu dos discursos que a escritora Lídia Jorge, Presidente da Comissão Organizadora, e o professor Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, proferiram nas celebrações do ‘Dia de Portugal’, em Lagos, a terra onde nasceu o navegador Gil Eanes que dobrou o Cabo Bojador, e funcionou a ‘Casa da Guiné’ enquanto foi vivo o seu fundador, o Infante D. Henrique, natural do Porto.
Recordei, então, as aulas de antropologia sobre a herança genética do povo português.
Portugal, situado no extremo sudoeste da Europa, atlântico e mediterrânico, foi sempre terra de fixação e lugar de passagem.
Terra de fixação, porque, situado no ‘fim da terra’ como os romanos chamaram – ainda hoje temos, na Galiza, o cabo Finisterra - os povos que vinham por terra, ao depararem-se com o mar, acabavam por se fixar. Assim, fizeram os Celtas, vindos do norte da Europa, que se misturaram com os Iberos, originando os Celtiberos; os Romanos, das bandas do Mediterrâneo, que conquistaram e ´romanizaram’ os povos locais; e os Germânicos (Suevos e Visigodos), do interior da Europa, que adotaram a língua – Latim; a religião – Cristianismo; e a cultura romana. A que se seguiram os Muçulmanos, originários do norte de África, que aqui permaneceram durante mais de cinco séculos (VIII –XIII).
Lugar de passagem, porque situado entre o Mar Mediterrâneo e o Mar do Norte, os povos que viviam do comércio de longa distância, num tempo de navegação de cabotagem, tinham obrigatoriamente de aportar nas nossas terras quando viajavam entre estes dois polos comerciais. Assim aconteceu com Fenícios, Gregos e Cartagineses.
E mais tarde, quando Lisboa se tornou o centro do comércio com a Índia, para aqui vieram comerciantes da Flandres e Inglaterra, e das repúblicas italianas de Veneza, Génova e Florença.
O mesmo aconteceu com as Cruzadas que, rumando do norte da Europa para a Terra Santa, por aqui passavam e aqui deixavam muitos dos seus cruzados, como os que ajudaram D. Afonso Henriques na conquista de Lisboa.
E não podemos esquecer os piratas normandos e viquingues, no norte da Europa; e os mouros, do norte de África que, ao longo dos tempos acossaram as terras do litoral.
Pouco a pouco, deu-se uma miscigenação dos povos mediterrânicos – de menor estatura, tez morena, olhos castanhos, cabelo escuro – com os povos nórdicos, de maior estatura, tez clara, cabelo louro, alhos azúis. Para já não falar doutros povos com especial relevo para os judeus que aqui habitam desde tempos imemoriais e os escravos africanos que, a partir do século XV, trouxemos para a nossa terra. E muitos, muitos outros…
Entre nós, não há ninguém de ‘raça pura’… Somos uma mistura genética.
Foi, pois, com notória satisfação que ouvi o senhor Presidente da República afirmar:
“Desde as raízes lusitanos, lioneses, burgonheses, gauleses, saxões, os mais antigos aliados de Portugal. Recordar esses e muitos mais que de nós fizeram uma mistura, em que não há quem possa dizer que é mais puro e mais português do que qualquer outro.”.
Já, antes a escritora Lídia Jorge, num discurso de fino recorte literário, havia dito:
“Consta que em pleno século XVII, 10% da população portuguesa teria origem africana. Essa população não nos tinha invadido. Os portugueses os tinham trazido
arrastados até aqui. E nos miscigenamos.
O que significa que por aqui ninguém tem sangue puro. E a falácia da ascendência única não tem correspondência com a realidade. Cada um de nós é uma soma.
Tem sangue do nativo e do migrante, do europeu e do africano, do branco e do negro e de todas as outras cores humanas. Somos descendentes do escravo e do senhor que o escravizou. Filhos do pirata e do que foi roubado. Mistura daquele que punia até à morte e do misericordioso que lhe limpava as feridas.
A consciência dessa aventura antropológica talvez mitigue a fúria revisionista que nos assalta pelos extremos nos dias de hoje, um pouco por toda a parte.”
Assim o desejo e espero…
. Diferentes, pisamos todos o mesmo chão… (25/6/2025)