O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, abril 22, 2025

EM VÉSPERAS DO '25 DE ABRIL' - "NÃO PODEMOS IGNORAR"...

Fazendo-me eco do livro ‘Amor e luta’, de Fátima Silva, partilho o testemunho dum dos primeiros prisioneiros do Tarrafal que nele penou durante 16 anos: “Joaquim Ribeiro - Um Herói na Revolta dos Marinheiros” (8 de setembro de 1936). Ouçamo-lo. O ‘campo’ - “Localizado numa ampla planície, o Campo de Concentração do Tarrafal, ou Campo da Morte Lenta (…), era circundado por arame farpado com um duplo portão de entrada, dominado por dois fortins à prova de bala para o que desse e viesse.” A ‘morte lenta’ - “Oito meses que pareciam séculos já nos tinham enfraquecido bastante o organismo: com má alimentação, os trabalhos forçados sob o Sol escaldante em clima doentio e a falta de qualquer preventivo coletivo contra o paludismo. A nossa magreza acusava sinal de perda de peso. O suplício de cada dia - “Mosquiteiros (…) não possuíamos. O único cobertor que cobria as nossas camas chegava a ficar literalmente coberto de terra. Aumentava o nosso suplício nestes dias de vento. A comida transportada em terrinas abertas ficava muitas vezes coberta de pó se as faxinas esqueciam de as cobrir com um pano de ocasião.” A revolta - “Chegou-nos a notícia de que a água da fonte estava inquinada, mas o ‘Manuel dos Arames’ não nos permitiu fervê-la mesmo nesta emergência. Travou-se, então, uma luta de vida ou de morte. A luta pela vida teve aqui a sua mais cabal expressão. Impelidos como por uma mola lançámo-nos corajosamente à pilha de lenha destinada à cozinha. Vieram os carcereiros obrigar-nos a repor a lenha no local, ao que nos negámos, a gritar que não nos deixaríamos matar assim. Fizemos fogueiras e ordenaram-nos que as apagássemos. A luta foi tremenda para fervermos as primeiras latas de água.” O mais infame e cruel – A frigideira “O castigo mais desumano, reservado aos mais lutadores, era a frigideira. A frigideira era uma construção em cimento, fechada, completamente fechada, com as paredes, o chão e o teto em cimento. Uma caixa retangular com uns cinco a seis metros de comprimento por três de largura. Um bloco interiormente dividido ao meio por uma parede a separar duas celas, cada uma com a sua porta de ferro, que se abriam em sentido oposto. As portas de ferro tinham meia dúzia de orificiozinhos de diâmetro inferior a um centímetro por onde se fazia um simulacro de arejamento. Por cima das portas, junto ao teto, uma pequena fresta gradeada. Mais nada. O arejamento só podia ser feito quando a porta se abrisse para logo ser fechada, o que acontecia apenas de manhã e à tarde no momento da entrega das ‘refeições.” - “Asfixiava-se ali dentro. A altura, no interior de cada uma as celas, seria de uns dois metros e meio no máximo, era, de facto, uma caixa completamente fechada e durante todo o dia estava sob a ação permanente do sol, por ter sido construída num local completamente isolado e sem hipótese de sombra. Apanhava o sol durante o dia inteiro.” - “Não é necessário ter muita imaginação para se fazer uma ideia do que podia acontecer quando doze homens tentavam respirar dentro duma caixa daquelas, com o sol tropical a aquecer pelo exterior, e onde a evaporação do ar respirado escorria pelas paredes. Os corpos encharcados, o ar sem oxigénio sufocante, a fazer o sangue latejar nas fontes, os peitos oprimidos numa semi-asfixia de endoidecer, com toda aquela humidade viscosa, acicatada pelos ácidos pútridos do latão dos dejetos de que todos eram obrigados a servir-se.” - “Vários homens juntos, uma semana, duas semanas, sem qualquer interrupção, alimentados um dia a pão e água, outro dia a pão e caldo de sopa, alternadamente, como determinavam a ordem do dia, que estabelecia o regime dos castigados. Além disso, pior também do que animais, tendo por cama o chão nu e áspero do cimento e por cobertor apenas o peso da atmosfera saturada e pestilenta.” Concluindo - Só de ler, sentimo-nos com falta de ar e ficamos arrepiados com tanta malvadez. E isto num país de matriz cristã e dito de ‘brandos costumes’… Como diz o poema Sophia de Mello Breyner, “Vemos, ouvimos e lemos – Não podemos ignorar”. Nem deixar cair no esquecimento… (16/4/2025)

terça-feira, abril 08, 2025

VAMOS CONHECER A NOSSA TERRA - VII - POR TERRAS DA MAIA

Com a primavera, nada melhor que um passeio… A ‘Terra da Maia’ formou-se bem antes da reorganização do Condado Portucalense (1096). Por mais de cem anos, permaneceu, na posse da família Mendes da Maia que muito contribuiu para a formação e independência de Portugal. Com destaque para Gonçalo Mendes da Maia (II) – o Lidador – que comandou os nobres portucalenses na batalha de S. Mamede, em 1128, contra o exército de D. Teresa e de Fernão Peres de Trava, dando origem, no dizer de Damião Peres, à ‘Primeira Tarde Portuguesa’. Esteve, ainda, na conquista de Beja onde era ‘fronteiro’ quando morreu (1170) em luta contra os Mouros. ”No seu todo, a Maia, na Idade Média, era um quadrilátero grosseiro, com vértices na foz do Ave, em Azurara, a noroeste; na ponta nascente de S. Martinho de Bougado, contra Refojos, a nordeste; na desembocadura do Douro, em S. João da Foz, a sudoeste; e na foz do rio Tinto, também na margem do Douro, a sudeste.” A leste, incluía Rio Tinto, Valongo, Alfena, Folgosa (a única que continua a ser maiata) e Covelas, que confrontavam com a ‘Terra do Sousa’. Nesta vasta região, só o “Porto, confinado ao velho burgo medieval” e alguns coutos e honras escapavam ao seu domínio. Macieira da Maia é testemunho desta extensão pois, embora do atual concelho de Vila do Conde, mantém, no nome, a sua velha pertença. Por isso, iniciamos este nosso passeio na ‘Ponte Românica do Ave’ também conhecida por ‘Dom Zameiro’ - a porta de entrada nas Terras da Maia. Construída nos séculos XII/XIII, possui oito arcos, com potentes talha-mares, a montante. É idílico este lugar, embora já não tenha o bucolismo de antanho quando, a jusante, as águas acionavam os rodízios do moinho e movimentavam a nora que as elevava para os campos ribeirinhos. Seguimos para o ‘Castro de Alvarelhos’, com vestígios da ‘Idade do Bronze’. Na ‘Idade do Ferro’, chamava-se ‘Castelum Madiae’ e foi romanizado no século I d.C.. Por aqui, viveu o povo madequisense que, devido a uma evolução fonética, está na origem do nome Maia: Madea > Madia > Maia. Mereceu-nos especial atenção o ‘núcleo calaico-romano’. Vale a pena uma visita pela riqueza do património, pela pureza do ar e pela beleza da paisagem.… Para conhecer melhor a história destas terras e suas gentes, visitámos, no Castelo da Maia, o ’Museu. História. Etnologia da Terra da Maia’, no edifício onde, até 1902, funcionou a Câmara Municipal da Maia. Pelo seu espólio e pela sua organização museológica, bem merece a nossa visita. Porque o espaço não me permite, limito-me a referenciar: - A ‘Perda Partida de Ardegães’ (Águas Santas) um bloco de granito, com inúmeras gravações com motivos geométricos - exemplar notável da arte megalítica europeia - Com cerca de 5 000 anos, remontará à Idade do Bronze. - A ‘Ara dos Madequisenses – Inscrição de Alvarelhos, do século IV d. C., diz: “Os Madequisenses erigiram e de livre vontade este monumento…” É da maior importância para a história do nome da Maia pois faz referência, como já dissemos, ao povo que estará na sua origem. E terminámos na igreja de Nossa Senhora do Ó ou de Águas Santas’, reedificada em 1120. É o que resta do antigo mosteiro cuja primeira referência data de 974 e que subsistiu até meados do século XIX. O povo não o esqueceu e continua a designar a igreja por ‘mosteiro’. Com realce para as colunas e colunelos, pórticos e janelas, capitéis e cachorradas, frisos e arquivoltas, de estilo românico, ainda apresenta, na nave lateral, dois capitéis visigóticos. Mais que uma descrição, merece ser vista no local. “Não restam dúvidas que a ‘cabeça’ da Terra da Maia (onde viveram os Mendes da Maia) era no hoje designado ‘Monte do Castelo’, na freguesia de Águas Santas.” Razão tiveram os antigos em chamar à coroa desse monte o Alto da Maia e os modernos em abrir, bem perto, a avenida Lidador da Maia A toponímia é de facto, um precioso repositório histórico… (9/4/2025)