O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, junho 25, 2025

PISAMOS TODOS O MESMO CHÃO

A inspiração para este texto surgiu dos discursos que a escritora Lídia Jorge, Presidente da Comissão Organizadora, e o professor Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, proferiram nas celebrações do ‘Dia de Portugal’, em Lagos, a terra onde nasceu o navegador Gil Eanes que dobrou o Cabo Bojador, e funcionou a ‘Casa da Guiné’ enquanto foi vivo o seu fundador, o Infante D. Henrique, natural do Porto. Recordei, então, as aulas de antropologia sobre a herança genética do povo português. Portugal, situado no extremo sudoeste da Europa, atlântico e mediterrânico, foi sempre terra de fixação e lugar de passagem. Terra de fixação, porque, situado no ‘fim da terra’ como os romanos chamaram – ainda hoje temos, na Galiza, o cabo Finisterra - os povos que vinham por terra, ao depararem-se com o mar, acabavam por se fixar. Assim, fizeram os Celtas, vindos do norte da Europa, que se misturaram com os Iberos, originando os Celtiberos; os Romanos, das bandas do Mediterrâneo, que conquistaram e ´romanizaram’ os povos locais; e os Germânicos (Suevos e Visigodos), do interior da Europa, que adotaram a língua – Latim; a religião – Cristianismo; e a cultura romana. A que se seguiram os Muçulmanos, originários do norte de África, que aqui permaneceram durante mais de cinco séculos (VIII –XIII). Lugar de passagem, porque situado entre o Mar Mediterrâneo e o Mar do Norte, os povos que viviam do comércio de longa distância, num tempo de navegação de cabotagem, tinham obrigatoriamente de aportar nas nossas terras quando viajavam entre estes dois polos comerciais. Assim aconteceu com Fenícios, Gregos e Cartagineses. E mais tarde, quando Lisboa se tornou o centro do comércio com a Índia, para aqui vieram comerciantes da Flandres e Inglaterra, e das repúblicas italianas de Veneza, Génova e Florença. O mesmo aconteceu com as Cruzadas que, rumando do norte da Europa para a Terra Santa, por aqui passavam e aqui deixavam muitos dos seus cruzados, como os que ajudaram D. Afonso Henriques na conquista de Lisboa. E não podemos esquecer os piratas normandos e viquingues, no norte da Europa; e os mouros, do norte de África que, ao longo dos tempos acossaram as terras do litoral. Pouco a pouco, deu-se uma miscigenação dos povos mediterrânicos – de menor estatura, tez morena, olhos castanhos, cabelo escuro – com os povos nórdicos, de maior estatura, tez clara, cabelo louro, alhos azúis. Para já não falar doutros povos com especial relevo para os judeus que aqui habitam desde tempos imemoriais e os escravos africanos que, a partir do século XV, trouxemos para a nossa terra. E muitos, muitos outros… Entre nós, não há ninguém de ‘raça pura’… Somos uma mistura genética. Foi, pois, com notória satisfação que ouvi o senhor Presidente da República afirmar: “Desde as raízes lusitanos, lioneses, burgonheses, gauleses, saxões, os mais antigos aliados de Portugal. Recordar esses e muitos mais que de nós fizeram uma mistura, em que não há quem possa dizer que é mais puro e mais português do que qualquer outro.”. Já, antes a escritora Lídia Jorge, num discurso de fino recorte literário, havia dito: “Consta que em pleno século XVII, 10% da população portuguesa teria origem africana. Essa população não nos tinha invadido. Os portugueses os tinham trazido arrastados até aqui. E nos miscigenamos. O que significa que por aqui ninguém tem sangue puro. E a falácia da ascendência única não tem correspondência com a realidade. Cada um de nós é uma soma. Tem sangue do nativo e do migrante, do europeu e do africano, do branco e do negro e de todas as outras cores humanas. Somos descendentes do escravo e do senhor que o escravizou. Filhos do pirata e do que foi roubado. Mistura daquele que punia até à morte e do misericordioso que lhe limpava as feridas. A consciência dessa aventura antropológica talvez mitigue a fúria revisionista que nos assalta pelos extremos nos dias de hoje, um pouco por toda a parte.” Assim o desejo e espero… . Diferentes, pisamos todos o mesmo chão… (25/6/2025)

quinta-feira, junho 19, 2025

EIS UM VERDADEIRO ISRAELITA, NO QUAL NÃO HÁ FALSIDADE

s É como colega que falo. A nossa amizade nasceu na década de cinquenta, no seminário de Vilar. Aproximou-nos o facto de ele ser natural de Moldes, Arouca, bem perto das minas de volfrâmio de ‘Rio de Frades’ onde foi mineiro o tio Adão Carriço que me deliciou a infância com histórias de lobos que, então, abundavam nessas terras, para mim, longínquas e misteriosas. Um parêntesis - É curioso que, ainda em agosto de 1961, quando, com o Teixeira Coelho, organizámos - apoiados por Monsenhor Miguel Sampaio, reitor do Seminário Maior, e acompanhados pelos nossos professores, Dr. Ângelo e Dr. Armindo - uma colónia de férias para meninos do bairro da Sé, em Albergaria, então, das Cabras, hoje, da Serra, apareceram-nos uns pastores a oferecer-nos dois lobos bem pequeninos que tinham encurralado e apanhado num bueiro do caminho. Terminado o Curso do Seminário, a vida afastou-nos, mas, como gosto de dizer, por mais longe que ande o amigo, nunca está para além das fronteiras do coração. Reaproximou-nos a realização, a partir de 2010, do ‘Dia da Voz Portucalense’ na Sé, quando, em nome da Fundação Voz Portucalense, lhe solicitava, na sua ‘qualidade de Presidente do Cabido da Catedral”, a necessária autorização. Sempre nos respondeu pelo seu próprio punho, em papel timbrado do Cabido, como aconteceu em 27 /12/2012: “Agradeço a comunicação de 17 de Dezembro e mais comunico que tenho todo o gosto em colaborar em nome do Cabido. Arnaldo de Pinho” E, ainda, o Coro Gregoriano do Porto que, em 2015, a seu convite, como ‘Juiz da Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda’, iniciou as comemorações dos seus ‘20 Anos’ com um concerto no Mosteiro de Arouca. Segui bem de perto os seus últimos dias quando já estava internado na Casa de Saúde da Boavista, mas a primeira notícia da sua morte chegou-me bem cedo, no dia 15 de maio, - um mês é passado - pelo facebook, onde um intelectual, que se diz agnóstico, escreveu “Faleceu um grande amigo. Era da minha idade. Não sei dizer mais nada. Vão-se os amigos e sentimo-nos mais sós. Os amigos fazem parte da família e da família mais próxima.” O dia do seu funeral coincidiu com a reunião do ‘Curso de Seminário 1951-1963’. Não pudemos participar nas suas exéquias na Catedral, mas, na Eucaristia, presidida pelo P. Avelino e concelebrada pelos padres Loureiro, Damião e Meireles, demos graças a Deus por ele e cantámos o ‘Requiem’, em gregoriano. Porque sou muito pequenino para falar da sua grandeza, como teólogo e homem de cultura, socorro-me da evocação que Nuno Higino, professor e editor, escreveu em 7Margens (19/05/25) sob o título ‘Arnaldo de Pinho, um pensador emancipado’, de que, com vénia, me faço eco: “Arnaldo de Pinho (1942–2025) ocupou um lugar único na teologia portuguesa pós-conciliar. Pensador de fronteiras e nas fronteiras, cultivou uma teologia do diálogo – entre fé e cultura, entre tradição e modernidade, entre razão e estética – marcada por uma abertura invulgar à complexidade do mundo. O seu percurso foi guiado por uma fidelidade crítica à Igreja, mas também por uma liberdade intelectual indagadora, nunca submissa à repetição doutrinal. (…) A teologia de Arnaldo de Pinho não se desenvolveu em moldes dogmáticos, nem se limitou a repetir fórmulas. Antes, procurou ler os sinais do tempo e inscrever neles a gramática do Evangelho. Esta abordagem, que se pode designar como teologia da cultura, faz da própria cultura um lugar hermenêutico da fé: não apenas contexto, mas espaço de revelação, interrogação e fecundação mútua. (…) Arnaldo de Pinho passou o seu ministério a construir pontes: entre o Evangelho e a modernidade, entre a tradição cristã e os questionamentos do mundo contemporâneo, entre o local e o universal..” Para mim, sempre foi o colega, de bom coração, com um humor subtil, servido por um sorriso sem farsa e uma piada sempre oportuna; o amigo que me faz lembrar o que Jesus disse de Natanael: ”Eis um verdadeiro israelita, no qual não há falsidade - Jo 1, 47” (18/6/2025)).

quarta-feira, junho 11, 2025

VAMOS CONHECER PORTUGAL - II - VALE DO TUA

Quando o verão se aproxima… “Moda do Vale do Tua esgota caminhadas em poucos dias. O vale do rio Tua tem vindo a ser um caso sério de popularidade no contexto turístico de Trás-os-Montes e Alto Douro.” (JN, 10/01/2025) Este encantamento fez-me recordar a visita que, há mais de vinte anos, fiz a Pombal de Ansiães e às Termas de S. Lourenço, de que dei notícia no jornal local. Na sede da freguesia, comecei por dar relevo à “padaria onde o senhor Sebastião afavelmente nos acolheu e pudemos consolar-nos com o cheiro apetitoso do pão fresco, aquecer-nos com o lume que saía do forno e testemunhar a higiene e o carinho com que a massa era tratada. E soubemos que muito deste pão iria ser distribuído, também, pelas aldeias vizinhas, chegando mesmo a Alijó”. Logo a seguir, demorei-me no ‘Lagar de Azeite’ onde fomos cordialmente recebidos pelo senhor Manuel: “Aí, vimos o nascer de uma dádiva da natureza que o homem soube transformar e aproveitar. Como era belo aquele fio de líquido dourado que escorria como produto final de um longo e penoso percurso cujo início nos transportava para os lindos olivais onde assisti ao varejar da azeitona. Terra farta em azeite que, para além de satisfazer as suas necessidades, ainda produz um excedente considerável para vender fora de portas!”. A conversa com os seus habitantes levou-me a escrever: “E se tiverem a sorte de encontrar pessoas como o senhor António do Pinhal, na frescura dos seus 80 anos, no aprumo do seu porte, no vigor da sua palavra, na malícia dos seus ditos, no bucolismo do seu canto e no requinte do seu bigode… então, nunca mais esquecerão”. Mas o êxtase estava reservado para o final que assim descrevi: “Depois foi a descida até às termas de S. Lourenço, o proto-mártir, orago da freguesia e cuja imagem, com a grelha (instrumento do seu martírio) encima o pórtico da igreja paroquial. E ao chegar a este local paradisíaco, sentimentos contraditórios se entrechocaram: ao deslumbramento sucedeu o desalento e a este sobrepôs-se a esperança. Deslumbramento, porque a vista alonga-se pelas quebradas dos montes, povoados de oliveiras, e perde-se, lá no fundo, no espumar embravecido das águas nos rápidos do Tua; os ouvidos deliciam-se com a suavidade do chilrear dos pássaros e a musicalidade que sobe lá das profundezas dos desfiladeiros; o olfacto inebria-se com o perfume que as plantas exalam e as águas quentes que brotam da fonte acariciam-nos e amaciam-nos a pele. É o êxtase!... Deus esmerou-se! Desalento, pelo abandono e pela desolação, porque o homem do presente não soube aproveitar esta dádiva nem merecer o trabalho dos seus antepassados. Estes construíram residências e balneários e pensões e uma linha de caminho de ferro que lhe corre aos pés. E vinham gentes de Lisboa, do Porto e até as pessoas das redondezas aproveitavam para descansarem após os trabalhos árduos das vindimas e para curarem os seus males de pele e de ossos. Esperança, porque sei que a geração presente não quererá ficar marcada pelo ferrete da ingratidão frente a Deus e aos seus antepassados, nem desmerecer das gerações futuras. (…) E, sonhando, vejo (os turistas) a desvendarem os mistérios da serra.” (O pombal, 24 /01/2002). Este sonho começou a ganhar corpo, em 2013, com a criação do Parque Natural Regional do Vale do Tua que engloba os municípios de Alijó, Murça, Mirandela, Vila Flor e Carrazeda de Ansiães, ‘uma região eminentemente rural, onde o património cultural e natural são praticamente indissociáveis.’ Muita coisa mudou, mas continuam a abundar motivos para as pessoas que gostam ‘de biodiversidade, natureza, gastronomia, tradições e cultura’ e queiram sentir que vale a pena fazer parte deste processo, como disse o diretor do Parque, António Marques. Para conhecer ‘um mundo que já não existe’, nada melhor que uma visita ao ‘Museu da Memória Rural’ em Vilarinho da Castanheira, e ao ‘Centro Interpretativo do Vale do Tua’, junto da estação do caminho de ferro, na Foz do Tua onde existe um restaurante, com um nome bem típico, que sabe bem visitar… (11/06/2025

terça-feira, junho 03, 2025

TUDO ME FAZ LEMBRAR MINHA MÃE...

E, desta vez, foi a Encíclica Amou-nos (Dilexit nos), do Papa Francisco. Esconde-se no mais recôndito da minha infância, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus que, com o ‘Divino Espírito Santo’ e Nossa Senhora, formava o tripé da prática devocional em que fui educado. Minha mãe era zeladora do ‘Sagrado Coração de Jesus’ e, todos os sábados, ia enfeitar o ‘Seu’ altar na igreja da minha terra. E eu, num domingo de maio, sempre acompanhado pela gancheta e a roda, ia receber a quota anual dos ‘Associados’. Ainda sinto o cheiro das flores que bordejavam os caminhos e o chilrear dos passarinhos por entre os arvoredos… E nunca faltava à ‘primeira sexta-feira’ do mês. No dia anterior, após a escola, íamos ao ‘confesso’ e, às vezes, até combinámos os pecados a confessar… E, na sexta-feira, às sete da manhã – no inverno, ainda era escuro e o frio enregelava as mãos – já estávamos na igreja para comungar. Recordo a vez que mais me custou. Na quinta feira, realizou-se, em casa do meu tio Nogueira, a espadelada do linho. E, como de costume, no fim, não faltaram os petiscos onde abundavam os ‘bolinhos de bacalhau’ que, ontem como hoje, me deliciam. Mas… nem os pude cheirar porque, quando o serão terminou, já passava da meia noite. E, para comungar, tinha de estar em jejum desde a meia noite anterior. Minha mãe trouxe-me mais cedo para casa e guardou-me uns ‘bolinhos’ para o dia seguinte… Mãe é mãe… Em 1957, no seminário de Vilar, a Academia Beato Nun’Álvares fundou a ‘Associação do Sagrado Coração de Jesus’, incentivada pelo diretor espiritual, P. Manuel Vieira Pinto que nos dizia: ‘a Igreja precisa de padres de coração quente e não de testa fria’. Ainda me vejo a receber as insígnias de zelador, na capela do Seminário. É, pois, com redobrada emoção que, no início do ‘Mês do Sagrado Coração de Jesus’, partilho convosco alguns números da Encíclica ‘Amou-nos - Sobre o Amor Humano e Divino do Coração de Jesus’, publicada em Roma, pelo Papa Francisco, a 24 de outubro de 2024, que me fez sentir a presença de duas pessoas de ‘coração quente’ a quem devo muito do que sou. - A veneração da sua imagem . “52. Convém notar que a imagem de Cristo com o seu coração, ainda que de maneira nenhuma possa ser objeto de adoração, não é uma imagem qualquer, entre muitas outras que poderíamos escolher.” .”53. Há uma experiência humana universal que torna esta imagem única. Pois não há dúvida que, ao longo da história e em várias partes do mundo, o coração se tornou um símbolo da intimidade mais pessoal e também do afeto, emoções e capacidade de amar.” .”55. A imagem do coração deve remeter-nos para a totalidade de Jesus Cristo, no seu centro unificador, e, a partir desse, simultaneamente, deve levar-nos a contemplar Cristo em toda a sua beleza e riqueza da sua humanidade e da sua divindade.” . “58. Não devemos esquecer que esta imagem do coração nos fala de carne humana, da terra e, por isso, nos fala também de Deus que quis entrar na nossa condição histórica, fazer-se história e partilhar o nosso caminho terreno.” - Em comunhão de serviço . “212. Não se deve pensar nesta missão de comunicar Cristo como se fosse algo apenas entre mim e Ele. Ela é vivida em comunhão com a própria comunidade.” . “213. É um amor que se torna serviço comunitário. Não me canso de recordar que Jesus disse com grande clareza: ‘Sempre que o fizeste a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizeste’ (Mt 25,49). Ele propõe-te que O encontres também aí, em cada irmão e em cada irmã, especialmente, nos mais pobres, desprezados e abandonados da sociedade. Que lindo encontro!” E minha mãe encontrava-O, como escreveu um vizinho que a conheceu muito bem: “Ti Maria Rosa Tanoeiro, a pessoa mais bondosa que eu conheci até hoje”. Ainda há dias, me surpreendi quando um amigo de infância, hoje bem na vida, mas que, em criança, passou fome - era o tempo da Guerra, com o desemprego, o racionamento e mercado negro alimentar - me confessava: “Tua mãe, quando eu ia a vossa casa, antes de me dar um bom naco de broa, sempre me perguntava: “Não será que tu queres um bocado do nosso pão?” Delicada, mesmo nas dádivas… Em ‘Comunhão’ com ela e convosco, repito: Sagrado Coração de Jesus, que tanto nos amais…(4/6/2025)

terça-feira, maio 27, 2025

A MÚSICA É BELEZA, A MÚSICA É UM INSTRUMENTO DE PAZ

“A música é beleza, a música é um instrumento de paz. É uma língua que todos os povos, de maneiras diferentes, falam e que chega ao coração de todos. A música pode ajudar as pessoas a viverem juntas.” Foi esta a mensagem que o nosso querido Papa Francisco enviou ao Festival de Sanremo, no dia 11 de fevereiro deste ano, e eu recordei, na Casa da Música, no primeiro domingo de maio - ‘Dia da Mãe’. Ao ouvir, na Casa da Música, o concerto organizado pela Banda Sinfónica Portuguesa, com a participação da Banda Municipal de Barcelona, veio-me à mente a ‘Banda Cabeceirense’ que, no Domingo de Pascoela, acompanhava o ‘Compasso’, na paróquia da Faia em Cabeceiras de Basto. E chegaram-me ao coração recordações dos tempos de menino em que as festas da minha terra eram abrilhantadas pela banda que honra o seu nome - ‘Banda de S. Martinho’- onde tocava o Basílio, meu colega de carteira na escola primária. .” As bandas de música são uma ferramenta artística idiomática e de enorme potencial para além da pura tradição. São um verdadeiro exemplo de renovação cultural para o presente e para o futuro da música.” (*) O Concerto “Glosas entre dois mares ibéricos” iniciou-se com “a prestigiada e veterana Banda Municipal de Barcelona, uma banda profissional civil espanhola - celebrará 140 anos em 2026 - que tem sido testemunha da evolução social e cultural da cidade de Barcelona”. (*) Começou com música de Agustí Borgunyó (1894-1967), um dos mais prestigiados maestros e compositores catalães da primeira metade do século XX” que, com L’Aplec, festa camperola’, nos ofereceu “uma suite com temas folclóricos desenvolvidos com um rico contraste tímbrico.” (*) E terminou com Gloses II, do “maestro alicantino Amando Blanquer Ponsoda, um dos mais importantes compositores espanhóis do século XX” que foi aluno de Messiaen em Paris e de Petrassi em Roma.” (*) A jovem Banda Sinfónica Portuguesa - está a celebrar os seus 20 anos - brindou-nos com ‘Apoteose’ de João Malha (1991), compositor, maestro e professor de orquestra na Escola Profissional Metropolitana de Lisboa.” (*) E ‘Gentios são os olhos negros’, de Luís Carvalho (1974), destacado clarinetista, compositor e maestro português, professor da Universidade de Aveiro. Os dois compositores estavam presentes na sala, por sinal mesmo à minha frente, e no final das respetivas composições, foram chamados ao palco para serem ovacionados com prolongada salva de palmas. Dando razão ao título do concerto, se L’Aplec, festa camperola me trouxe os sons e as paisagens quentes da costa mediterrânica, já ‘Gentios são os olhos negros’ - uma composição que comemora o 150.º aniversário da Banda Filarmónica N.ª Sra. Das Neves, da ilha de S. Miguel - levou-me a revisitar a verdura florida das ilhas atlânticas e a cantarolar ‘Olhos Negros’ que o José Manuel - um seminarista açoriano - me ensinou nos tempos da juventude. No final, os mais de cem instrumentistas das duas bandas juntaram-se em palco “para interpretar uma das mais importantes páginas da literatura para banda de todos os tempos: Dionysiaques, op. 62, escrita pelo compositor francês Florant Schmitt (1870-1958), vencedor do Prémio Roma de Composição em 1900.” (*) Um clamor de arte e de convivência. Foi assim que, no final, José Rafael Pascual Vilaplana - maestro titular da banda barcelonesa e maestro principal convidado da banda portuense - classificou o concerto que acabava de dirigir. O texto terminaria aqui, não tivera eu, na última sexta-feira, dia 23, assistido, na Sala Suggia, ao “Concerto n.º 7 em Fá maior, para três pianos e orquestra”, de Mozart, tocado pela Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música e três jovens, nascidos na década de noventa, mas já pianistas de renome mundial: Julius Zeman, austríaco; Mona Asuka, alemã, filha de pai alemão e mãe japonesa; Shun Oi, japonês. Sublimes! Celestiais! Ao vê-los, dei razão aos pintores que povoaram o Paraíso, de ´anjos músicos’… A alegria juvenil que os irmanou, especialmente, quando os três se juntaram no mesmo piano e, a 6 mãos, nos brindaram com um magnífico ‘encore’ final, fez-me lembrar o que ouvi a Jordi Savali, Embaixador do Diálogo Intercultural da União Europeia, nesta mesma sala, em 2014: ‘A música une os povos e enriquece-se na diferença’. (*) – ‘Folha de Sala’ (28/5/2025)

quarta-feira, maio 21, 2025

QUANDO O PESADELO REGRESSOU... UM SINAL DE ESPERANÇA

Há quatro anos, escrevi no artigo ‘Do Alívio à Esperança’ (VP, 27/1/2021): “Um novo dia nasce para a América” (e para o Mundo, acrescento eu), disse Joe Biden. Foi há uma semana…. Finalmente, chegou ao fim o execrando mandato do presidente Trump que envenenou a convivência entre os seus concidadãos e entre os povos e tornou o mundo um lugar muito mais perigoso. Respirámos de alívio. “Este é o dia da democracia”. E, citando Massimo Faggioli, “professor de Teologia na Universidade Villanova (Filadélfia), indicava razões para a esperança: - O conceito – “Biden é o primeiro presidente católico na história americana que exprime publicamente a sua alma religiosa, não vagamente religiosa, mas cristã; ecuménica, mas católica; duma forma militante, mas não belicosa, testemunhal.” - O testemunho - “No seu discurso de aceitação a 7 de novembro, Biden citou quer a Bíblia quer o hino litúrgico “Nas asas da águia”, um hino típico do estilo litúrgico da Igreja pós-Concílio Vaticano II, explicando que “representa a fé que me sustém e que eu creio que sustenha a América. E eu espero, espero poder trazer conforto e alívio “. (…) E terminava o meu artigo com um voto: (…) Que o Papa Francisco o inspire. E a luz da Fé ilumine seus caminhos e ajude a sarar as feridas abertas pelo seu antecessor na América e no Mundo”. Apesar das sombras, algumas bem notórias, que ofuscaram o seu exercício, soube-me bem ler o texto insuspeito, (Biden, JN, 23/1/2025), assinado por Maria de Lurdes Rodrigues que nos recorda o seu legado de que, com vénia, respigo: 1. “Biden foi aquilo que Donald Trump, infelizmente para nós, nunca será”. . “Propôs-se, no início do seu mandato, fazer sair a América do caos negacionista da covid e das alterações climáticas e inverter o caminho de desregulação económica, e cumpriu. . Restabeleceu a normalidade do funcionamento do Estado de direito democrático. . Defendeu a economia com investimentos público, com uma política industrial e de apoio a setores emergentes, com incentivo ao desenvolvimento científico, com valorização dos sindicatos e dos direitos dos trabalhadores, afirmando um compromisso com a justiça social e a equidade. 2. “A liderança de Biden foi marcada por uma abordagem pragmática e humanista”: . “Reconheceu a gravidade da pandemia de covid.19 e lançou programas eficazes para controlar a sua propagação, de organização da vacinação em massa e de apoio a investigação científica.” . “Voltou ao Acordo de Paris e promoveu políticas ambientais sustentáveis e iniciativas concretas para combater as alterações climáticas.” 3. “É inegável a importância do apoio dado à Ucrânia e o retorno ao multilateralismo nas relações que manteve com a Europa.” 4. “A presença e participação em organismos internacionais, como a OMS, e em acordos globais, como o de Paris, foram decisivos para manter a agenda da defesa do ambiente e de combate às alterações climáticas.” 5. “A sua liderança é uma prova de que é possível governar com respeito pelas instituições democráticas e com um compromisso genuíno com o bem-estar da população.” 6.“Manter viva a memória do seu legado é também uma forma de manter a esperança de que aquilo que Trump simboliza não perdurará por décadas.” Infelizmente, os primeiros 100 dias do governo Trump – assinalados com os habituais autoelogios e mentiras, no passado dia 30 de abril – com a supressão da dissidência interna, a perseguição dos imigrantes, a retirada de organismos multilaterais, a descontrolada aplicação de tarifas, promoveram uma agenda de antidireitos humanos, minaram a economia e o direito internacional e exponenciaram ‘o execrando mandato anterior”. Contudo… “Ajudai-nos também vós, e uns com os outros, a construir pontes, através do diálogo, através do encontro, unindo-nos a todos para sermos um só povo, um povo de paz” Estas palavras do Papa Leão XIV fizeram renascer em mim a esperança e acreditar que, com a eleição do cardeal Robert Francis Prevost, também ele americano, “um novo dia nasceu para a América e para o Mundo”. Convém não esquecer a sabedoria popular que diz: ‘a esperança é a última a morrer’. E ouvir o Papa Francisco que, no dia 12 de fevereiro passado, como numa manifestação de última vontade, nos exortou: “Não percam a esperança. Esta é a mensagem que quero transmitir a vocês; a todos nós.” (21/5/2025)

terça-feira, maio 13, 2025

ESTA VIAGEM QUE NOS PLASMA

Depois de Nos alvores da Obra Diocesana, Para Além das Margens, No Princípio foi assim, O Sonho e as Estrelas, João Alves Dias voltou a reunir os seus artigos de publicação regularíssima no jornal A Voz Portucalense, para nos disponibilizar um acumulado de reflexão cultural absolutamente pertinente para a nossa compreensão enquanto pessoas, cidadãos, profissionais, agentes, religiosos ou não. Esta Viagem Que Nos Plasma – tal é o título do livro decorrente de uma criação metafórica que a leitura ajuda a esclarecer, mas que se manterá desafiante de significações. Na capa de Adelaide Sousa, o arranjo gráfico que sobrepõe o homem de Vitrúvio, de Leonardo Da Vinci, ao mar e ao céu, remete para as cores quentes do plasma solar. A ideia de perfeição e de harmonia entre a natureza e o homem e este como centro do universo, torna-se veio condutor de perplexidades. Viagem e plasma são núcleos semânticos que nos são familiares, ambos muito concretos e muito ligados ao corpo, ao mundo físico dos estados da matéria, a modos de conhecimento e de representação do universo. Na contemporaneidade, são marcadores de sentido, a viagem pela globalização, o plasma pela procura da energia inesgotável. (Somos dependentes de plasmas!) Se o título abre a curiosidade, a leitura gerará um compromisso cultural, de proximidade ou de polémica, mas não de indiferença. Tomo como exemplo a síntese feita pelo Carlos Sousa no Prefácio, a qual é o testemunho de quem se deixou atrair, seduzir, marcar, pela influência do padre João, a sentir-se agente transformador de sua comunidade (p.8). O Frontispício é sobre o tempo vivido, o tempo como acção, o tempo como coração. Esta ideia é transposta para a música El Condor Pasa, uma apropriação cultural para a prática do cantado religioso que é em si mesma um exemplo acabado de viagem dos sons à volta do mundo. Esta emotividade guia a escrita, compõe-na. Num dos capítulos principais da obra, Estátua Interior se fica a saber como foi plasmado, moldado enquanto criatura, enquanto pessoa, o autor. «Ungido ou tocado» por Santa Justa, o rapaz do Tanoeiro colheu da terra, entre campos e minas, histórias exemplares que o guiarão pela vida e determinarão a sua dinâmica relacional de estar no seu tempo: sempre em missão de serviço, de «pastor de uma comunidade, de comunidades». Do padre João ao presbítero casado João Alves Dias, professor, cidadão de honra da cidade do Porto, o livro tem o seu autor como singular testemunha do nosso tempo. A Viagem começa na criação da Obra Diocesana de Promoção Social (criada em 1964, pela Diocese do Porto, Câmara Municipal do Porto e Instituto de Serviço Social do Porto), segue pela criação da Paróquia de Nossa Senhora do Calvário e Chega à capela de Nossa Senhora da Paz). Tem como pivot ou líder um jovem presbítero que se assume como mediador, cuidador, articulador de vontades. A Viagem é feita das memórias de caminhos municipais dos últimos 60 anos da vida do então presbítero João Alves Dias, mergulha na história familiar em contexto de periferia urbana ou de ruralidade intensa, agrega as memórias dos tempos de escolarização e formação, associa muitas outras viagens, quer de pessoas, quer de instituições. Começa em tempos do Concílio Vaticano II, mas vai recuperar memórias históricas da cidade do Porto, do país, da rede monástica por toda a Europa, de lugares e de situações que foram e são foco da atenção: fica comprovada a tese: a cultura como coluna dorsal de um povo (p. 100-102) fez e faz viajar, mediatizada pelas pessoas, pelos monumentos, pelos rios e pelas serras, pelo clima, pela alimentação, pelas relações humanas. Voltemos ao título do livro. A determinação do título é feita por três classes de palavras incontornáveis: esta – demonstrativo de um presente intenso e extenso, agregador das vivências autorais, mas também distribuidor das mesmas por qualquer pessoa que viaje; que – recuperador relativo da viagem ou ênfase na mesma para a absolutizar como princípio de formação; nos – o pronome pessoal de todas as singularidades e colectividades possíveis. Este «nos» ficará a aguçar-nos o espírito crítico: quem integra este «nos»? O autor majestático?, ele e os seus próximos?, os que pensam do mesmo modo e jeito os assuntos da vida?, os que partilham das mesmas experiências?, os presbíteros?, os membros da comunidade religiosa?, os que escrevem e lêem as mesmas fontes?, os que entram na corrente da leitura e partilha das ideias? Todos somos chamados a estar no livro, em diálogo uns comos outros, seja qual for o espectro político ou as ferramentas ideológicas de análise. A leitura do livro, em modo de peregrinação interior e exterior a nós, autor e leitor, o guião da viagem concretiza-se numa referenciação de pessoas (92 textos) e de instituições (19 textos), um dos núcleos principais da narrativa. No fundo, o autor conta a história de vida, sua e dos seus, com um estilo coloquial, perifrástico, se o tomarmos como partindo de um caso que o faz pensar e comunicar. Escreve e visualiza os percursos realizados, sugere muitos outros, soma o tempo nos anos de sua vida, mas estende-o na história local ou nacional, exterioriza-se e interioriza-se em documentação, em património, em usos e costumes, em narrativas, em datas e acontecimentos. Pela leitura percebe-se que o sentido do verbo plasmar vai da simplicidade de ser sinónimo de líquido vital à complexidade de ser figuração de energia. O meio termo da pragmática poderá remeter o leitor para um estado de composição ou moldagem em que a pessoa, o grupo, a família, a comunidade, a instituição, a sociedade, o mundo, se configuram como são, cumulativamente mais densos, mas também mais preocupantes nas suas fragilidades. O eu e o tu, este núcleo de pessoas é o nós que é o povo, que é a humanidade, o sujeito que viaja e a viagem resulta em plasma, acumula componentes que integram a sua composição enquanto estado físico: a pessoa é plasma, é matéria que se compõe de outros elementos. O sangue e a sua prototipicidade de sentido. Há duas fontes referenciais de plasma em todo o livro: uma, citação de Tolentino de Mendonça, plasmar uma comunidade (p. 141); outra, citação de Manuel Sérgio, referindo as dimensões da pedagogia do desporto como plasma normativo que trasvaza do humanismo filosófico e do socialismo político (p. 244). O autor tem um método de trabalho e de exposição: pensa com a razão e com a fé, abre os olhos à complexidade problemática do humano demasiado humano, escolhe a reflexão e desenvolve-a, deixa na mente do leitor dimensões de crítica, de elogio, de reparo, de projecto, de avaliação, foca a diversidade para salientar a unidade de sentido. Nos textos mais marcados pela crítica contundente ou nos textos mais discretos de valorização, o humano e o religioso estão sempre implicados e é na sua interligação que se perspectivam os desenvolvimentos. Nas divisões categoriais dos estudos da cultura, é habitual esta aparecer-nos em três grandes aglomerados ou complexos de esquemas de compreensão, a cultura material, a cultura social e a cultura mental. Nestes três contentores, arrumam-se as mais diversas manifestações teóricas e práticas, desde a agricultura à metafísica, do físico ao espiritual, do biológico ao artificial, do sensiente ao inteligente. É também habitual arrumarmos as práticas dos seres vivos numa escala que vai do mais simples ao mais complexo, do mais popular ao mais erudito, do mais arcaico ao mais inovador, do mais natural ao mais artificial, do mais rude ao mais elaborado, etc. O livro de João Alves Dias manifesta-se como transversal a estas categorias, contribuindo para o arreigamento teórico de uma categoria de mistura e de transvase: a cultura religiosa, na medida em que os seus esquemas de conhecimento, conceptualização e utilização, cruzam as outras dimensões, implicam-nas e configuram-nas: a cultura religiosa parte do físico para o espiritual, integrando todas as dimensões do material, do social e do mental. Nas múltiplas viagens, também elas físicas, sociais e mentais, o autor elabora a compreensão da realidade a partir da paisagem, dos monumentos, dos caminhos, dos campos e das cidades, interligando as questões sociais com as espirituais, evidenciando significados acumulados ao longo do tempo, mas sempre com novas abordagens de compreensão, revisão, acrescento, descoberta. O religioso está intrinsecamente conceptualizado nas dimensões que lhe parecem exteriores e o autor salienta quanto os valores de comunidade, de património comum, de padronização de leituras e de interpretações, são sustentados pela prática e partilha de uma ferramenta simbólica religiosa, catequética, sem dúvida, mas nunca dogmática ou impositiva de códigos de reflexão ou de conduta. A nossa contemporaneidade é marcada pela maior diversidade de manifestações comportamentais, pela maior proliferação de controvérsias, pelo maior questionamento de certezas ou de estabilidades de entendimento da realidade. O stress provocado nos indivíduos pela mudança tecnológica, pela conflitualidade entre povos e nações, pela mediatização de causas e de procedimentos extremados, desencadeia temores e receios, desorienta, induz estados de indiferença e de precipitação. Recorrendo a Peter Hanenberg, Cognitive Culture Studies, 2018, podemos perguntar como é que estamos a desenvolver mecanismos culturais e cognitivos para lidar com os mecanismos mais surpreendentes da mudança? Como funcionamos nesta «modernidade líquida» (Zygmunt Bauman, citado por Hanenberg), para responder aos desafios mentais de apreensão das culturas? Porque é que precisamos de ser mais «plasmas», mais fluidos, na reflexão sobre o nosso tempo? Onde buscamos territórios comuns de consenso e de empatia (Wexler, citado por Hanenberg)? No quadro institucional de um jornal como A Voz Portucalense, João Alves Dias foi semeando interrogações e respostas que nos desafiam a conjugar o verbo que serviu de título à sua obra, verbo este que implica agentes causadores diferenciados, o Eu, o Tu, o Nós, onde se inclui a matéria, a natureza, o território, o clima, e também Deus. Referências Hanenberg, Peter (2018). Cognitive Culture Studies. Lisboa: Universidade Católica Editora. Puchner, Martim (2023). Cultura – Uma Nova História do Mundo. Lisboa: Bertrand Editora, Lda. José Machado, Braga, Abril de 2025. (VP, 13/5/2025)

A CÂMARA DO PORTO E A OBRA DIOCESANA

Em 3 de maio, o Jornal de Notícias, sob o título “Moreira diz que o bispo terá de obter apoios junto dos privados”, informava: “Nos últimos quatro anos, a Câmara do Porto subsidiou a Igreja com quase um milhão de euros (…) O autarca (…) já havia garantido que não voltará a aprovar mais apoios para a Igreja, designadamente a Obra Diocesana, que a Câmara subsidia, por se ter sentido ‘insultado’ pelo bispo na sequência da resposta que Manuel Linda deu ao ser questionado, por carta, sobre a permuta de 15 casas no bairro das Eirinhas, no Bonfim…” (3/5/2025). Sem dúvida que essa permuta também me deixou, no mínimo, estupefacto… Mas pergunto: - O que tem a ver com isso a Obra Diocesana? – Nada. Se não, vejamos a sua história… Como nasceu? Escrevi em “Alvores da Obra Diocesana” (14/2/2014) “Gerada no coração dum bispo, acalentada pelo humanismo dum presidente da Câmara, ganhou vida no saber de uma mulher. (…) D. Florentino foi a sua ‘alma-mater’, o Dr.Nuno Pinheiro Torres, o patrocinador, já D. Julieta Cardoso foi a ‘abelha-mestra”. (páp. 22). * O que faz? - “É já conhecida dos nossos leitores que está a desenvolver-se um importante movimento de acção social, educativa e religiosa na zona dos novos blocos camarários desta cidade. (…) O que se pretende é ajudar essas populações desenraizadas e heterogéneas a resolver os seus próprios problemas – sustento, emprego, habitação, doenças, promoção educativa, cultural e social etc” (A Voz o Pastor, 17/10/1964) - Em 25 de abril de 2014, a Junta de Freguesia de Campanhã prestou-lhe homenagem pública e, no desdobrável, então distribuído, dizia: “A Obra Diocesana de Promoção Social (…) foi fundada em 1964, fruto da vontade conjugada da Diocese do Porto, da Câmara Municipal do Porto e do Instituto de Serviço Social do Porto. (…) Para a realização dos seus objetivos, desenvolve a sua ação nos bairros do Carriçal, Cerco do Porto, Fonte da Moura, Lagarteiro, Machado Vaz, Pasteleira, Pinheiro Torres, Rainha D. Leonor, Regado, São João de Deus, São Roque da Lameira e São Tomé, apoiando a sua população mais carenciada. Aí, tem instalado 12 Centros Sociais, onde mantém as respostas sociais de Creche, Pré-Escolar, ATL, Centro de Dia, Centro de Convívio, Serviço de Apoio Domiciliário e ainda Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental (CAFAP) e Cantina Social. Atualmente, presta serviços a cerca de 2500 clientes e conta com a colaboração de cerca de 390 trabalhadores. “ Testemunho pessoal Eu próprio, por solicitação do senhor Presidente da Câmara, vivi vários anos, numa casa do bairro do Cerco do Porto, para, como o P. Coelho, no bairro da Pasteleira, “ser vizinho entre vizinhos” (JN, 15/3/2025 – O padre que fez do barracão uma capela). E nunca me senti a receber um favor porque, com a minha presença, “criaram-se várias comissões de trabalho como as que se seguem: Comissão para a instalação de telefone e marco de correio; Comissão de missa e catequese; Comissão para a instalação de um mercado; Comissão para um posto de enfermagem e creche; Comissão para obtenção de transportes e ainda uma Comissão de Auxílio Mútuo” (A Voz do Pastor, 17/10/1964). Todas realizaram os seus objetivos, de que são exemplo as seguintes notícias: - “A Obra Diocesana de Ação Social nos bairros do Porto continua a desenvolver extraordinária actividade junto dos aglomerados populacionais. (…) As iniciativas sucedem-se. Há dias, foi inaugurado um Posto de Enfermagem no Bairro do Cerco do Porto, graças ao magnífico trabalho desenvolvido…” (A Voz do Pastor, 15/5/1965) - “No dia 2 de abril de 1966, o bairro de S. Roque esteve em festa. Inaugurou-se o Centro de Convívio, o primeiro fruto do trabalho social (…) o que deu motivo a grande regozijo entre os seus moradores” (cf. JN, 4/4/1966) Criaram-se, ainda, outro Centro de Convívio no bairro do Cerco, a Casa dos Rapazes, a Casa das Raparigas, dois Centros Sociais, o Clube de Pesca do Bairro do Cerco do Porto e o Agrupamento 300 do CNE… O Presidente da Câmara disse-me “A Câmara procura dar casas às pessoas. Mas isso não basta. É preciso dar-lhes alma. E essa tarefa nós não sabemos nem podemos fazer. Vós, sim. Por isso, vos apoiamos” (Nos Alvores da Obra Diocesana, pág. 39) Concluindo. Como escreveu a Junta de Freguesia de Campanhã, a Obra Diocesana é “fruto da vontade conjugada da Diocese do Porto, da Câmara Municipal do Porto e do Instituto de Serviço Social do Porto” Sem esse tripé, a Obra não existiria nem sobreviverá. Faz parte da sua constituição originária. Negá-lo, é renegar a sua história e esquecer todo o bem que ela faz e fez ao longo dos 61 anos de existência. E quem sofre? – Como diz o povo: ‘é o mexilhão’, quem dela precisa e não tem culpa nenhuma. - “Meus Senhores, por favor, entendam-se. Exige-o o bem social.” Este é o clamor das gentes dos bairros camarários e o apelo de quem consagrou onze anos da juventude (1964-1975) ao seu serviço e, por isso, foi agraciado, pela Câmara Municipal, com a ‘Medalha de Mérito – Grau Ouro (9/7/2014) e, pela Obra Diocesana, com a ’Medalha de Mérito, Classe Ouro (6/2/2021). E merece-o uma Obra que teve na sua direção pessoas como Dr. Francisco Sá Carneiro, Arquiteto Fernando Távora, D. Maria Elisa Acciaiuoli Barbosa. “A Obra Diocesana é uma obra de e da, mas não para a Igreja.” - A Voz do Pastor, 17/10/1964 (13/5/2025)