A PROPÓSITO DA EXECUÇÃO DE SADDAM HUSSEIN
SERÁ A VIDA HUMANA INVIOLÁVEL?
Numa aula de Filosofia, aproveitei a condenação à morte de Saddam Hussein para exercitar a capacidade crítica dos meus alunos do 10º ano e distinguir a legalidade, objecto das ciências jurídicas, da questão da legitimidade, própria da actividade filosófica. “ Deverá Saddam Hussein ser executado?” “Quais os pressupostos em que fundamento a minha opinião?” “Qual a grande interrogação a que respondem os meus pressupostos?”
Depois de apresentarem as suas opiniões com a explicitação dos correspondentes fundamentos, chegaram à conclusão que a grande pergunta subjacente a todo este questionamento era: “o direito à vida será inviolável?”
A EXECUÇÃO DE SADDAM HUSSEIN
A execução de Saddam Hussein em 30 de Dezembro fez-me recordar esse debate.
“ No Ocidente, a condenação deste desfecho foi geral, excluindo-se a posição norte-americana” (JN, 31/12/06)
Devo confessar que também para mim este desfecho constituiu uma profunda desilusão pois queria acreditar que os governantes do Iraque já teriam assimilado valores fundamentais da cultura europeia e aproveitariam este ensejo para darem aos seus concidadãos e ao mundo um sinal de mudança naquela terra-mártir, berço de culturas e religiões. Penso, agora, que estava a pedir de mais a homens cujos padrões culturais, tal como os judeus, alicerçam na “lei de talião”(“olho por olho, dente por dente”) a convivência entre pessoas e povos. O que não posso compreender é a posição do presidente americano, um cristão que, tanta vezes, invoca o nome de Deus para apadrinhar as suas opções. Parece que não sabe que o cristianismo, uma das matrizes fundamentais da nossa cultura, veio introduzir o perdão no relacionamento humano e que o humanismo é um elemento fundante da democracia ocidental.
Não viso pôr em causa a legalidade do Tribunal que o condenou. Quero crer que julgou de acordo com as leis vigentes no Iraque e que teria dados indubitáveis que culpabilizavam Saddam pelo massacre de 148 xiitas em Dujail em 1982. Nem sequer questiono se este execrável ditador mereceria tal condenação. Como diziam os meus alunos, numa perspectiva mais radical, a morte seria castigo pequeno para quem cometeu tantos e tão grandes crimes contra inocentes. Nem sequer desculpo Saddam porque o seu objectivo seria solidificar as fundações do Estado Iraquiano e todos os Estados têm, nos seus alicerces, mortes, violências e carnificinas.
O que está em causa é uma questão civilizacional, são os valores subjacentes a uma democracia que vai para além de um “Estado de Direito”, num respeito total pela dignidade da pessoa humana.
PORTUGAL E A PENA DE MORTE
Na sequência desta desilusão, dei por mim a investigar a tradição portuguesa sobre a “Pena de Morte” que a nossa Constituição de 1976 consubstancia, afirmando a vida como um direito inviolável. Assim, comecei por consultar o Dicionário de História de Portugal, de Joel Serrão, que me diz:
“ Em Portugal, a pena de morte para os crimes políticos foi abolida pelo artigo 16.º do Acto Adicional à Carta Constitucional, sancionado por D. Maria II (1834-53) em 5 de Julho de 1852. No respeitante aos crimes civis, a sua abolição verificou-se no reinado de D. Luís (1861-89), através da reforma prisional e penal de 1 de Julho de 1867) (…) apesar de estar já praticamente abolida a pena de morte, que desde 1846 sempre fora comutada pelo poder moderador quando aplicada pelos tribunais”
Já lá vão cerca de 150 anos que a pena de morte foi abolida em Portugal. Foi pois com agrado que vi uma afirmação de Matilde Sousa Franco, esposa do saudoso Dr. Sousa Franco: “ Ao longo dos séculos, Portugal tem tido a coragem de se afirmar a nível mundial pelo Humanismo, sendo pioneiro nas abolições da escravatura e da pena de morte.”(VP- 3 de Janeiro de 2007). E foi com algum sentimento de orgulho que li uma carta do grande romancista e pensador francês, Victor Hugo, em que ele afirma
“ De hoje em diante, Portugal está à frente da Europa”. Os primeiros!...
Nalguma coisa de bom haveríamos de ser os primeiros…
O PORTO E A PENA DE MORTE - SAMPAIO BRUNO
Como portuense, não resisto a realçar aqui a figura de Sampaio Bruno (1)
Para sintetizar o seu pensamento sobre a “pena de morte” socorro-me do “Congresso Internacional sobre Pensadores Portuenses - 1850-1950” organizado pelo Centro Regional do Porto da Universidade Católica que, no dizer do presidente da Comissão Científica, Arnaldo de Pinho, “integrado nas manifestações do “O Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura” (…) ficará a assinalar, para o futuro, um tempo de extraordinário relevo da vida cultural do Porto e do Norte em geral” e que, para mim, foi uma das mais notáveis realizações de “O Porto 20001” ( quase silenciada pela comunicação social…). Apresento alguns extractos da palestra de Manuel Gama sobre “Sampaio Bruno(1): O Filósofo e o Publicista”:
“ Igualmente, contra a pena de morte, o nosso filósofo e publicista expressa, com traço indelével, a sua luta e oposição. A acção literária de Victor Hugo fora fundamental na formação do sentimento da sua geração e “ na leitura de suas constantes protestações contra a pena de morte se fortalecia a instintiva repugnância de nós-outros para com práticas aflitivas e cruéis”, recorda ele. A agonia lenta do Último Dia de um Condenado causava-lhe arrepios. Das sensações aos princípios ia um passo. De entre estes, o da dignidade humana é valor seminal. Como deixara estampado n’A Voz Pública, a propósito da execução de Leão Czolgosz, assassino do presidente americano Mac-Kinley, “ a vida humana é inviolável e sagrada”
Daí o orgulho que sentia em que Portugal se encontrasse na senda do progresso moral, pela iniciativa, em 1867, da abolição da pena de morte. Satisfação tanto maior, embora simultaneamente dolorosa, quando nesse aspecto estávamos à frente da dita civilizada França. Depois, porque o grande Victor Hugo, em carta a Brito Aranha, emoldura mais esta dobragem dos navegadores intrépidos e que Bruno, com satisfação incontida, transcreve:
CARTA DE VICTO HUGO
“ A vossa nobre carta faz-me bater o coração. Eu sabia a grande nova; doce me é por vosso intermédio receber-lhe o eco simpático. Não; não há povos pequenos. Há pequenos homens, ai de nós! E algumas vezes são esses os que conduzem os grandes povos. Os povos que têm déspotas assemelham-se a leões que tivessem açaimes. Eu amo e glorifico o vosso belo e querido Portugal. Ele é livre; portanto, é grande. Portugal acaba de abolir a pena de morte. Consumar esse progresso é dar o grande passo da civilização. De hoje em diante, Portugal está à frente da Europa. Vós não haveis cessado de ser, portugueses, navegadores intrépidos. Avante outrora no Oceano, hoje na verdade. Proclamar princípios é mais belo ainda que descobrir mundos. Clamo: Glória a Portugal; e a vós-outro: em boa hora!”
(in “Portuenses Ilustres”, Sampaio Bruno)
Neste passo de gigante para o progresso moral, Sampaio Bruno rememora o relevante papel tido pelo deputado do círculo de Cedofeita, desta cidade do Porto, Aires de Gouveia. Desde 1863, este representante portuense nas Cortes encetara intensa campanha a favor desta causa, conforme excertos - que Bruno apresenta - das suas intervenções no Parlamento . (…)
Com tudo isto, o nome de António Aires de Gouveia fica ligado “ indissoluvelmente à abolição da pena de morte em Portugal, (e) um reflexo desta glória ilumina a terra em que ele nasceu.”
Para Sampaio Bruno a pena de morte é “imoral, improfícua, injusta e perigosa”
( ACTAS DO CONGRESSO INTERNACIONAL PENSADORES PORTUENSES CONTEMPORÂNEOS 1850-1950), Vol II, pág. 25 e 26)
COMENTANDO...
De toda esta transcrição agrada-me destacar duas grandes afirmações de Sampaio Bruno:
“ a vida humana é inviolável e sagrada”
“ a pena de morte é “imoral, improfícua, injusta e perigosa”
Como teria reagido este humanista portuense se tivesse lido o que disse George W. Bush - Presidente dos EUA?
“ A execução de Saddam Hussein é um marco importante no caminho do Iraque rumo a uma democracia governável, auto-suficiente e com capacidade de defesa, que possa ser um aliado na guerra contra o terror”.
Quão traiçoeiras são as palavras! Uma democracia? Uma democracia alicerçada na intolerância, na vingança e na morte? Como se pode falar em democracia quando não se respeita a dignidade humana? Como pode respeitar os direitos humanos quem não observa o mais fundamental de todos os direitos, o direito a viver? É que a vida é o fundamento de todos os direitos humanos.
Senhor Presidente Bush, como estava certo Victor Hugo! “ Não; não há povos pequenos. Há pequenos homens, ai de nós! E algumas vezes são esses os que conduzem os grandes povos.”
Ai de nós quando “pequenos homens” têm na sua mão o poder de grandes nações!...
Razão tinha o nosso filósofo ao afirmar que a vida humana é inviolável e sagrada e que a pena de morte é
Imoral
Improfícua
Injusta
Perigosa.
Grande Sampaio Bruno, que magnífica síntese!...
E Sampaio Bruno, para afirmar que a vida humana é sagrada, nem sequer teve que invocar o cristianismo para quem a vida humana é um dom de Deus, ninguém nem o próprio é dono do que lhe foi dado gratuitamente por Deus. Bastou-lhe a sua consciência de humanista… que se fundamenta no respeito pela dignidade humana.
Se Sampaio Bruno se orgulhava de António Aires de Gouveia que está ligado “ indissoluvelmente à abolição da pena de morte em Portugal, ”, como eu me sinto lisonjeado por viver na cidade do Porto, terra em que ambos nasceram e viveram.
(1) - Sampaio Bruno – Nome literário do filósofo José Pereira de Sampaio (Porto 30.11.1857- ibid. 11.11.1915) adoptado em homenagem a Giordano Bruno. A sua participação na revolução republicana de 1891 obrigou-o a exilar-se em Paris (1891-1893). Embora haja tido papel relevante dentro do Partido Republicano, o carácter positivista que nele veio a dominar levou-o a afastar-se, primeiro, da disciplina partidária (1902) e, por fim, da própria política nacional (1911), desgostoso com os rumos que esta trilhava depois do 5 de Outubro, para se dedicar exclusivamente ao estudo e à reflexão sobre temas filosóficos e religiosos que desde sempre o preocuparam. (…) Extremamente sensível à realidade do mal (…) vai fazer dele o ponto de partida do seu pensamento. (…) Extraordinário escritor de feição barroca, exerceu incontestável magistério sobre a geração da “ Renascença Portuguesa”, em especial sobre Teixeira de Pascoaes, Teixeira Rego, Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra e o Fernando Pessoa da Mensagem – Braz Teixeira in Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura (É interessante realçar que o pensamento deste filósofo portuense mereceu ser contemplado com quatro conferências no Congresso Internacional de Pensadores Portuenses: “ O mal desde a obra a Sampaio Bruno” por Torres Queiruga (meu velho amigo galego e professor na Universidade de Santiago de Compostela, que me ofereceu o texto original da sua comunicação); “Sampaio Bruno: o filósofo e o publicista” por Manuel Gama; “ Da ontologia como patologia em Sampaio Bruno” por Rui Guilherme Lopo; “ Sampaio Bruno e o primeiro momento de reaproximação luso-brasileira” por António Paim)
Numa aula de Filosofia, aproveitei a condenação à morte de Saddam Hussein para exercitar a capacidade crítica dos meus alunos do 10º ano e distinguir a legalidade, objecto das ciências jurídicas, da questão da legitimidade, própria da actividade filosófica. “ Deverá Saddam Hussein ser executado?” “Quais os pressupostos em que fundamento a minha opinião?” “Qual a grande interrogação a que respondem os meus pressupostos?”
Depois de apresentarem as suas opiniões com a explicitação dos correspondentes fundamentos, chegaram à conclusão que a grande pergunta subjacente a todo este questionamento era: “o direito à vida será inviolável?”
A EXECUÇÃO DE SADDAM HUSSEIN
A execução de Saddam Hussein em 30 de Dezembro fez-me recordar esse debate.
“ No Ocidente, a condenação deste desfecho foi geral, excluindo-se a posição norte-americana” (JN, 31/12/06)
Devo confessar que também para mim este desfecho constituiu uma profunda desilusão pois queria acreditar que os governantes do Iraque já teriam assimilado valores fundamentais da cultura europeia e aproveitariam este ensejo para darem aos seus concidadãos e ao mundo um sinal de mudança naquela terra-mártir, berço de culturas e religiões. Penso, agora, que estava a pedir de mais a homens cujos padrões culturais, tal como os judeus, alicerçam na “lei de talião”(“olho por olho, dente por dente”) a convivência entre pessoas e povos. O que não posso compreender é a posição do presidente americano, um cristão que, tanta vezes, invoca o nome de Deus para apadrinhar as suas opções. Parece que não sabe que o cristianismo, uma das matrizes fundamentais da nossa cultura, veio introduzir o perdão no relacionamento humano e que o humanismo é um elemento fundante da democracia ocidental.
Não viso pôr em causa a legalidade do Tribunal que o condenou. Quero crer que julgou de acordo com as leis vigentes no Iraque e que teria dados indubitáveis que culpabilizavam Saddam pelo massacre de 148 xiitas em Dujail em 1982. Nem sequer questiono se este execrável ditador mereceria tal condenação. Como diziam os meus alunos, numa perspectiva mais radical, a morte seria castigo pequeno para quem cometeu tantos e tão grandes crimes contra inocentes. Nem sequer desculpo Saddam porque o seu objectivo seria solidificar as fundações do Estado Iraquiano e todos os Estados têm, nos seus alicerces, mortes, violências e carnificinas.
O que está em causa é uma questão civilizacional, são os valores subjacentes a uma democracia que vai para além de um “Estado de Direito”, num respeito total pela dignidade da pessoa humana.
PORTUGAL E A PENA DE MORTE
Na sequência desta desilusão, dei por mim a investigar a tradição portuguesa sobre a “Pena de Morte” que a nossa Constituição de 1976 consubstancia, afirmando a vida como um direito inviolável. Assim, comecei por consultar o Dicionário de História de Portugal, de Joel Serrão, que me diz:
“ Em Portugal, a pena de morte para os crimes políticos foi abolida pelo artigo 16.º do Acto Adicional à Carta Constitucional, sancionado por D. Maria II (1834-53) em 5 de Julho de 1852. No respeitante aos crimes civis, a sua abolição verificou-se no reinado de D. Luís (1861-89), através da reforma prisional e penal de 1 de Julho de 1867) (…) apesar de estar já praticamente abolida a pena de morte, que desde 1846 sempre fora comutada pelo poder moderador quando aplicada pelos tribunais”
Já lá vão cerca de 150 anos que a pena de morte foi abolida em Portugal. Foi pois com agrado que vi uma afirmação de Matilde Sousa Franco, esposa do saudoso Dr. Sousa Franco: “ Ao longo dos séculos, Portugal tem tido a coragem de se afirmar a nível mundial pelo Humanismo, sendo pioneiro nas abolições da escravatura e da pena de morte.”(VP- 3 de Janeiro de 2007). E foi com algum sentimento de orgulho que li uma carta do grande romancista e pensador francês, Victor Hugo, em que ele afirma
“ De hoje em diante, Portugal está à frente da Europa”. Os primeiros!...
Nalguma coisa de bom haveríamos de ser os primeiros…
O PORTO E A PENA DE MORTE - SAMPAIO BRUNO
Como portuense, não resisto a realçar aqui a figura de Sampaio Bruno (1)
Para sintetizar o seu pensamento sobre a “pena de morte” socorro-me do “Congresso Internacional sobre Pensadores Portuenses - 1850-1950” organizado pelo Centro Regional do Porto da Universidade Católica que, no dizer do presidente da Comissão Científica, Arnaldo de Pinho, “integrado nas manifestações do “O Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura” (…) ficará a assinalar, para o futuro, um tempo de extraordinário relevo da vida cultural do Porto e do Norte em geral” e que, para mim, foi uma das mais notáveis realizações de “O Porto 20001” ( quase silenciada pela comunicação social…). Apresento alguns extractos da palestra de Manuel Gama sobre “Sampaio Bruno(1): O Filósofo e o Publicista”:
“ Igualmente, contra a pena de morte, o nosso filósofo e publicista expressa, com traço indelével, a sua luta e oposição. A acção literária de Victor Hugo fora fundamental na formação do sentimento da sua geração e “ na leitura de suas constantes protestações contra a pena de morte se fortalecia a instintiva repugnância de nós-outros para com práticas aflitivas e cruéis”, recorda ele. A agonia lenta do Último Dia de um Condenado causava-lhe arrepios. Das sensações aos princípios ia um passo. De entre estes, o da dignidade humana é valor seminal. Como deixara estampado n’A Voz Pública, a propósito da execução de Leão Czolgosz, assassino do presidente americano Mac-Kinley, “ a vida humana é inviolável e sagrada”
Daí o orgulho que sentia em que Portugal se encontrasse na senda do progresso moral, pela iniciativa, em 1867, da abolição da pena de morte. Satisfação tanto maior, embora simultaneamente dolorosa, quando nesse aspecto estávamos à frente da dita civilizada França. Depois, porque o grande Victor Hugo, em carta a Brito Aranha, emoldura mais esta dobragem dos navegadores intrépidos e que Bruno, com satisfação incontida, transcreve:
CARTA DE VICTO HUGO
“ A vossa nobre carta faz-me bater o coração. Eu sabia a grande nova; doce me é por vosso intermédio receber-lhe o eco simpático. Não; não há povos pequenos. Há pequenos homens, ai de nós! E algumas vezes são esses os que conduzem os grandes povos. Os povos que têm déspotas assemelham-se a leões que tivessem açaimes. Eu amo e glorifico o vosso belo e querido Portugal. Ele é livre; portanto, é grande. Portugal acaba de abolir a pena de morte. Consumar esse progresso é dar o grande passo da civilização. De hoje em diante, Portugal está à frente da Europa. Vós não haveis cessado de ser, portugueses, navegadores intrépidos. Avante outrora no Oceano, hoje na verdade. Proclamar princípios é mais belo ainda que descobrir mundos. Clamo: Glória a Portugal; e a vós-outro: em boa hora!”
(in “Portuenses Ilustres”, Sampaio Bruno)
Neste passo de gigante para o progresso moral, Sampaio Bruno rememora o relevante papel tido pelo deputado do círculo de Cedofeita, desta cidade do Porto, Aires de Gouveia. Desde 1863, este representante portuense nas Cortes encetara intensa campanha a favor desta causa, conforme excertos - que Bruno apresenta - das suas intervenções no Parlamento . (…)
Com tudo isto, o nome de António Aires de Gouveia fica ligado “ indissoluvelmente à abolição da pena de morte em Portugal, (e) um reflexo desta glória ilumina a terra em que ele nasceu.”
Para Sampaio Bruno a pena de morte é “imoral, improfícua, injusta e perigosa”
( ACTAS DO CONGRESSO INTERNACIONAL PENSADORES PORTUENSES CONTEMPORÂNEOS 1850-1950), Vol II, pág. 25 e 26)
COMENTANDO...
De toda esta transcrição agrada-me destacar duas grandes afirmações de Sampaio Bruno:
“ a vida humana é inviolável e sagrada”
“ a pena de morte é “imoral, improfícua, injusta e perigosa”
Como teria reagido este humanista portuense se tivesse lido o que disse George W. Bush - Presidente dos EUA?
“ A execução de Saddam Hussein é um marco importante no caminho do Iraque rumo a uma democracia governável, auto-suficiente e com capacidade de defesa, que possa ser um aliado na guerra contra o terror”.
Quão traiçoeiras são as palavras! Uma democracia? Uma democracia alicerçada na intolerância, na vingança e na morte? Como se pode falar em democracia quando não se respeita a dignidade humana? Como pode respeitar os direitos humanos quem não observa o mais fundamental de todos os direitos, o direito a viver? É que a vida é o fundamento de todos os direitos humanos.
Senhor Presidente Bush, como estava certo Victor Hugo! “ Não; não há povos pequenos. Há pequenos homens, ai de nós! E algumas vezes são esses os que conduzem os grandes povos.”
Ai de nós quando “pequenos homens” têm na sua mão o poder de grandes nações!...
Razão tinha o nosso filósofo ao afirmar que a vida humana é inviolável e sagrada e que a pena de morte é
Imoral
Improfícua
Injusta
Perigosa.
Grande Sampaio Bruno, que magnífica síntese!...
E Sampaio Bruno, para afirmar que a vida humana é sagrada, nem sequer teve que invocar o cristianismo para quem a vida humana é um dom de Deus, ninguém nem o próprio é dono do que lhe foi dado gratuitamente por Deus. Bastou-lhe a sua consciência de humanista… que se fundamenta no respeito pela dignidade humana.
Se Sampaio Bruno se orgulhava de António Aires de Gouveia que está ligado “ indissoluvelmente à abolição da pena de morte em Portugal, ”, como eu me sinto lisonjeado por viver na cidade do Porto, terra em que ambos nasceram e viveram.
(1) - Sampaio Bruno – Nome literário do filósofo José Pereira de Sampaio (Porto 30.11.1857- ibid. 11.11.1915) adoptado em homenagem a Giordano Bruno. A sua participação na revolução republicana de 1891 obrigou-o a exilar-se em Paris (1891-1893). Embora haja tido papel relevante dentro do Partido Republicano, o carácter positivista que nele veio a dominar levou-o a afastar-se, primeiro, da disciplina partidária (1902) e, por fim, da própria política nacional (1911), desgostoso com os rumos que esta trilhava depois do 5 de Outubro, para se dedicar exclusivamente ao estudo e à reflexão sobre temas filosóficos e religiosos que desde sempre o preocuparam. (…) Extremamente sensível à realidade do mal (…) vai fazer dele o ponto de partida do seu pensamento. (…) Extraordinário escritor de feição barroca, exerceu incontestável magistério sobre a geração da “ Renascença Portuguesa”, em especial sobre Teixeira de Pascoaes, Teixeira Rego, Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra e o Fernando Pessoa da Mensagem – Braz Teixeira in Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura (É interessante realçar que o pensamento deste filósofo portuense mereceu ser contemplado com quatro conferências no Congresso Internacional de Pensadores Portuenses: “ O mal desde a obra a Sampaio Bruno” por Torres Queiruga (meu velho amigo galego e professor na Universidade de Santiago de Compostela, que me ofereceu o texto original da sua comunicação); “Sampaio Bruno: o filósofo e o publicista” por Manuel Gama; “ Da ontologia como patologia em Sampaio Bruno” por Rui Guilherme Lopo; “ Sampaio Bruno e o primeiro momento de reaproximação luso-brasileira” por António Paim)
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home