O Tanoeiro da Ribeira

domingo, dezembro 31, 2006

No último dia do ano…

Eu e meu primo Manuel Joaquim, quando éramos estudantes, tínhamos,nas férias, como confessor o senhor Abade de Sobrado, Pe. Agostinho Freitas.
Na tarde do último dia do ano, sempre lá íamos para fazer a “revisão” da consciência….Era um ano a ser passado a pente fino… Ora íamos de bicicleta, de bicicleta de motor ou a pé.
Recordo, especialmente, um ano em que fomos a pé. Quando íamos a entrar em Sobrado, veio-nos à mente a nossa situação de sãomartinhenses que sempre gostavam rir à custa dos de Sobrado, a “Terra do ÓH!...ÓH!...ÒH!... “
Começámos a comparar os marcos hectométricos e, logo, meu primo sentenciou: - os de Sobrado são “botrióides”. E eu, sabendo quão isenta era aquela opinião, logo dei a minha total anuência: - Não há dúvida: são botrióides, sim senhor!... E vimos que os marcos colocados em S. Martinho eram muito mais elegantes, os de Sobrado eram mesmo botrióides… E rimo-nos, a bom rir. Se os de Sobrado soubessem do que nos ríamos, correr-nos-iam à pedrada. Foi o início de uma longa brincadeira.
Sobrado é conhecido como a “terra do óh!”, porque, na festa de S. João de Sobrado, os Bugios (os cristãos), fazem grandes correrias, dão saltos e gritam, repetidamente: óh!...óh!...óh!... Enquanto os mourisqueiros (os mouros ) conservam uma atitude cheia de pompa e dignidade.
Sobrado também é conhecida como “a terra da broa d’unto”. Conta-se em S. Martinho que, certo dia, um homem de Sobrado, quando, à noite, vinha do moinho com a sua burra carregada de taleigas de farinha, viu uma coisa estranha no rio Ferreira.
Temendo tratar-se de coisa “roim”, seguiu o seu caminho. Quando chegou a casa, contou o sucedido e logo os vizinhos se juntaram para irem ver de que se tratava. Armaram-se de armas e sacholas e lá foram. Quando chegaram ao local, um gritou: - É uma broa de unto!... E logo todos se lançaram à água para ver quem era o primeiro a apanhar para si a famosa broa de unto. Agarraram, agarraram, mas a broa sempre lhes fugia… Até que regressaram a casa, desanimados, e a concordarem que deveria ser “coisa-do-outro-mundo” porque todos lhe deitaram a mão e não foram capazes de a apanhar… Cá par nós que ninguém nos ouve: a estranha broa de unto não era mais do que a lua cheia reflectida na água tranquila do rio…
Contava-se ainda que, certo dia, os de Sobrado resolveram construir um novo moinho. Homens empreendedores, logo deitaram mãos à obra e, passados uns meses, lá se levantava um belo moinho com um rodízio novo. Quando os foguetes já estrelejavam no ar, alguém lembrou-se: - e a água? - É verdade onde está a água?, repetiram todos… É que tinham construído o moinho no cimo de um monte e ninguém se lembrou da água para o moinho… E um moinho de água… sem água…
Mais ainda, dizia-se que, certo dia, tiveram que tocar o sino a rebate por causa de um incêndio. Mas o senhor abade não estava em casa e ninguém tinha a chave da torre para subir ao sino. Então, logo um resolveu a situação: - vamos a casa buscar gigas, pômo-las umas por cima das outras até chegar ao sino. Muito bem!... E todos correram a suas casas. E passados uns momentos, já as gigas se amontoavam umas sobre as outras…Quando já estava a chegar ao sino, as gigas acabaram. Pouca sorte! Só faltava uma para lá chegar… Mas, como pessoas resolutas e inteligentes, logo um dos presentes sugere: - Não há problema, tira-se a giga de baixo e põe-se em cima. - Correcto! exclamaram todos. E logo começaram a tarefa: tiravam a giga do fundo e colocavam em cima… repetiram várias vezes a operação mas nunca mais chegaram ao sino… E a cavada foi toda queimada…
E outras histórias fomos recordando, à medida que caminhávamos para a igreja de Sobrado… Também lembrámos que os de Sobrado diziam que os de S. Martinho, num dia de Compasso, quando viram um coelho a passar junto deles, logo lhe atiraram com a cruz… mas não mataram o coelho…
Não sei se meu primo se confessou ao senhor abade do pecado de irmos a gozar com a fama dos seus paroquianos. Se confessou, ele não me disse qual a penitência que o confessor lhe deu… Eu, cá por mim, para evitar complicações, não confessei. Não sei se se tratou de pecado mortal; se era, fiz uma confissão mal feita… e ainda estou em pecado porque nunca me confessei de tais maldades….