HOJE, PARECE UM SONHO...
Na
primeira semana de julho de 1969, realizou-se, em Turim, o 5º Colóquio Europeu
de Paróquias, o primeiro em que participei. E, logo aí, nasceu uma amizade, que
ainda hoje perdura, com o grupo da Galiza de que fazia parte o P. Iglésias.
No
ano seguinte – faz agora 50 anos -, fui surpreendido por um telefonema:
-
“Venho de mando do P. Iglésias e preciso de falar consigo. Como não tenho
transporte, agradecia que viesse ter comigo à Praça da Batalha.”
Para
me reconhecer, disse-lhe que iria num Fiat 600 branco e ele informou-me que
tinha barbas longas e usava uma gorra basca.
Encontrámo-nos
e comecei a circular: Batalha, Santo Ildefonso, Batalha…. Voltas e mais voltas.
Disse-me que era um preso político do movimento “Falemos galego” que, com
outros, tinha fugido de uma cadeia franquista. Expulso das escolas, das
instituições e proibido nas igrejas, o galego tinha sido espoliado dos seus
direitos de língua matricial e confinado à esfera privada. O espanhol
(castelhano), imposto por Madrid, era símbolo e veículo de usurpação. Como
sinal de revolta, as placas toponímicas que incluíssem J foram pichadas com X,
como “La Toja” (A Toxa).
Um
barco esperava-o em Olhão para o levar até Argel. Mas ele não tinha dinheiro
para o comboio. E se fosse encontrado pela polícia portuguesa, seria logo preso
e recambiado para Espanha. Era amigo do P. Iglésias que o aconselhou a falar
comigo. Só precisava do dinheiro para a viagem.
Fiquei
estupefacto. A situação era muito complicada e perigosa. Conhecia as boas
relações que uniam os dois governos peninsulares. Dar o dinheiro era proteger
os «criminosos antifranquistas». Não colaborar, era abandonar uma pessoa que
precisava da minha ajuda. Procurei mostrar que não acreditava na história:
-
“Poderia ter inventado uma história mais simples para me pedir dinheiro. Mas
esta…”
- “Pode não
acreditar, mas esta é a pura verdade”, respondeu
em voz baixa.
E
o carro continuava a rolar… Ao passar junto de um polícia, atiro-lhe com uma
provocação:
-
“Você sabe que, se eu parar o carro e repetir àquele polícia a história que me
contou, o senhor será imediatamente preso…”
- “Eu sei,
respondeu resignado, a minha vida está nas suas mãos…”
Senti
um nó na garganta…Quem me garantia que não era uma armadilha da PIDE?
Mas
tinha que me decidir. E decidi. Fui com ele à estação de S. Bento. Comprei-lhe
o bilhete. Aguardei a partida do comboio…
A
seguir, por precaução, subi à Sé e fui falar com um professor
do Seminário Maior
-
“Amigo, se eu desaparecer sem deixar
rastos, vão procurar-me à PIDE”. E
contei-lhe toda a história. Ficou surpreendido mas acalmou-me com palavras de
solidariedade.
Não
tive qualquer notícia de retorno. Os telefones estavam controlados e a
correspondência era vigiada. Mais tarde, vi confirmada a referida fuga e soube
que o P. Iglésias, que os apoiava, fugira para o Canadá.
Situações
complicadas com que a vida nos confronta e que, na atualidade, nos parece um
sonho… (15/7/2020)
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