HÁ AMIZADES QUE VENCEM O TEMPO...
Nas
«bodas de ouro» da entrada no seminário (2001), presididas pelo nosso
professor, Dr. (Dom) Armindo, o António Brito, sob o título «Vocação e
Evocação”, fez um discurso que passo a citar.
A amizade…
…
Nasceu na entreajuda, no colégio de
Ermesinde.
“Vínhamos
dos quatro cantos da Diocese. Com um magro enxoval e um número gravado a vermelho
em cada peça. Cabia tudo num baú de madeira de pinho ou numa mala mais
vistosa.”
Foi
um ano feito de saudades do carinho da família que ali não tínhamos e da nossa
terra onde éramos estimados, e ali, descriminados.
“No
mesmo Colégio, andavam outros estudantes. Esses tinham mesa e comida diferente,
mais variada, mais rica. Eram os colegiais que ocupavam sempre o campo de
futebol e regressavam às suas famílias sempre que lhes era possível. Nós éramos
de outra estirpe: jogávamos o pilha, a bugalhinha. À casa paterna só
regressávamos pelo Natal, Páscoa e férias grandes.”
Éramos
pardalitos em gaiola… As amizades que nasciam nas brincadeiras do recreio
atenuavam-nos a reclusão.
…
Cresceu na cumplicidade, no seminário de
Trancoso
“
Os dois anos em Trancoso, em pré-puberdade, vivemo-los intensamente como um
tempo concentrado, marcado pela presença do divino, mas com uma compensação
lúdica muito forte que nos permitiu aguentar o impacto de um sistema educativo,
demasiado ríspido, frequentemente violento.”
Cúmplices
na resistência, refugiávamo-nos nas alcunhas que dávamos aos professores e na
imitação dos seus tiques.
… Solidificou-se na solidariedade, no
seminário de Vilar
“Foi
por essa altura, em adolescência efervescente, que vários colegas resolveram partir
de livre vontade, enquanto outros eram impelidos a fazê-lo, porque – dizia-se –
não tinham vocação. O João chegou a planear um almoço de confraternização no
Monte da Virgem para nos juntarmos com os que abandonaram. Foi chamado ao
gabinete do reitor e, sob discretas ameaças, teve de anular o dito almoço.”
O
que não passava de expressão duma amizade de sete anos na hora da dispersão,
fora visto como rebeldia e, por isso, antecipadamente desmarcado. Foi pena e
deixou marcas. Liderar comporta riscos…
…
Fez-se adulta, no seminário da Sé
“Na Sé, éramos já homens feitos e passámos a
ser tratados como tais.”
…
E perpetua-se, ao longo da vida
Faço
minhas as palavras com que o, então, professor catedrático, terminou:
“Pelo
que, se me fosse dada a possibilidade de voltar atrás nos cinquenta anos
vividos, eu calçaria de novo as minhas botas de pneu ensebadas, encomendaria o
mesmo baú de pinho… À Igreja, convém não esquecer, devemos quase tudo o que
somos.” (13/5/2020)
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