O Tanoeiro da Ribeira

quinta-feira, maio 14, 2020

HÁ AMIZADES QUE VENCEM O TEMPO...

 
Esta é a amizade que se reaviva nas «reuniões anuais» do seminário. Assim, na próxima 6ª feira, o Curso 1951-63 realizará um «encontro espiritual»: os presbíteros celebrarão pelos colegas e professores; os restantes «juntam-se», às 11 horas, na Missa que é transmitida de Fátima.

Nas «bodas de ouro» da entrada no seminário (2001), presididas pelo nosso professor, Dr. (Dom) Armindo, o António Brito, sob o título «Vocação e Evocação”, fez um discurso que passo a citar.

A amizade

Nasceu na entreajuda, no colégio de Ermesinde.

“Vínhamos dos quatro cantos da Diocese. Com um magro enxoval e um número gravado a vermelho em cada peça. Cabia tudo num baú de madeira de pinho ou numa mala mais vistosa.”

Foi um ano feito de saudades do carinho da família que ali não tínhamos e da nossa terra onde éramos estimados, e ali, descriminados.

“No mesmo Colégio, andavam outros estudantes. Esses tinham mesa e comida diferente, mais variada, mais rica. Eram os colegiais que ocupavam sempre o campo de futebol e regressavam às suas famílias sempre que lhes era possível. Nós éramos de outra estirpe: jogávamos o pilha, a bugalhinha. À casa paterna só regressávamos pelo Natal, Páscoa e férias grandes.”

Éramos pardalitos em gaiola… As amizades que nasciam nas brincadeiras do recreio atenuavam-nos a reclusão.

Cresceu na cumplicidade, no seminário de Trancoso

“ Os dois anos em Trancoso, em pré-puberdade, vivemo-los intensamente como um tempo concentrado, marcado pela presença do divino, mas com uma compensação lúdica muito forte que nos permitiu aguentar o impacto de um sistema educativo, demasiado ríspido, frequentemente violento.”

Cúmplices na resistência, refugiávamo-nos nas alcunhas que dávamos aos professores e na imitação dos seus tiques.

   Solidificou-se na solidariedade, no seminário de Vilar

“Foi por essa altura, em adolescência efervescente, que vários colegas resolveram partir de livre vontade, enquanto outros eram impelidos a fazê-lo, porque – dizia-se – não tinham vocação. O João chegou a planear um almoço de confraternização no Monte da Virgem para nos juntarmos com os que abandonaram. Foi chamado ao gabinete do reitor e, sob discretas ameaças, teve de anular o dito almoço.”

O que não passava de expressão duma amizade de sete anos na hora da dispersão, fora visto como rebeldia e, por isso, antecipadamente desmarcado. Foi pena e deixou marcas. Liderar comporta riscos…

Fez-se adulta, no seminário da Sé

 “Na Sé, éramos já homens feitos e passámos a ser tratados como tais.”

E perpetua-se, ao longo da vida

Faço minhas as palavras com que o, então, professor catedrático, terminou:
“Pelo que, se me fosse dada a possibilidade de voltar atrás nos cinquenta anos vividos, eu calçaria de novo as minhas botas de pneu ensebadas, encomendaria o mesmo baú de pinho… À Igreja, convém não esquecer, devemos quase tudo o que somos.” (13/5/2020)