CRIATIVIDADE ARTÍSTICA
Tenho
um amigo que é artista. De raízes durienses, vive nas terras da Maia onde, como
«mestre» na Universidade Sénior, guia os «aprendizes» pelos trilhos da
aguarela. Ultimamente, deixou-se levar pela paixão de esculpir madeira,
aproveitando arbustos e ramos de árvores. Quando vê alguém a podá-los,
observa-os e, se algum o cativa, pede-o ao seu proprietário. Aproveita o que
não presta. E assim, num profundo respeito pela natureza, recicla a matéria e
cria arte.
Há
dias, ao vê-lo trabalhar, veio-me à mente o artigo que, então aluno do
Seminário Maior, publiquei no Jornal
Novidades (1959), com o título
“Hilemorfismo e Mudanças Substanciais”. Aristóteles, o grande filósofo grego
nascido em Estagira em 384 a. C., diz que tudo o que existe no espaço e no
tempo é constituído por matéria e forma; e, simultaneamente, «ser em ato»
porque tem a perfeição de ser o que é, e “ em potência” para um novo «ser em
ato». Tudo depende da forma que vier a receber. E exemplificava com uma
estátua: “Hermes está na madeira em potência…(Met)”. Ao dar forma à matéria, o
artista transformou a potência em ato e assim nasceu a estátua. A matéria
informe aparece como o mundo da possibilidade face à atividade criadora dos
artistas.
Como
me encanta o entusiasmo do meu amigo António ao explicar o processo criativo
das suas obras. O ramo pode ser mais ou menos grosso, mais ou menos longo, mais
ou menos rugoso mas não deixa de ser um ramo e, simultaneamente, abre para
múltiplas imagens, depende da forma que vier a adquirir. Quando o encontra,
sente naquele pedaço de madeira algo que o provoca, que o convida a tomá-lo na
mão. Gera-se uma cumplicidade que está na base de todo o seu projeto.
Após
um diálogo silencioso, surge a inspiração. De matriz cristã, a sua paixão maior
são os «Cristos» - Jesus na madrugada pascal. Mas será o ramo que lhe indicará
o caminho. À medida que vai trabalhando, a obra vai surgindo ao sabor dos
ditames da madeira, sem obedecer a qualquer modelo preconcebido.
Esta
cumplicidade surpreendente, aliada à imprevisibilidade do resultado, está na
base da originalidade que o entusiasma e delicia quem tem o privilégio de
apreciar as suas criações.
O
“arbusto transborda”, o artista sublima-o e surge a obra de arte. A madeira
parece esquecer a sua materialidade e, como escreveu E. Souriau, “começa a
irradiar pouco a pouco um conteúdo implícito que se espalha e ocupa o espaço
ambiente com alguma coisa que é talvez sonho, ilusão”.
O
homem, ser do símbolo e do «para-além», vê o invisível e não se deixa soçobrar
na tribulação como aquela que agora nos assola. O sentido estético eleva-o
acima da amargura da imanência. A arte é uma janela aberta para a
transcendência de Deus que pôs em nossos olhos a beleza da criação.
(8/4/2020)
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