FAZ HOJE DEZANOVE ANOS
No
dia de Fiéis Defuntos do ano passado, visitámos, no cemitério de Aguiño, na
Galiza, o túmulo dos pais do amigo Andrés Queiruga. Ao fazê-lo, parei no
monumento “Aos Mariñeiros Desaparecidos “ que ilustra este texto.
Ao
ver os ramos de flores que o rodeavam, recordei o que me dissera o seu pároco:
- “Aqui há muitos naufrágios e alguns corpos nunca mais aparecem porque ficam
presos nas furnas submarinas que abundam nesta «Costa da Morte». Um dia, uma
mulher, a chorar, disse-me: «Perdi o meu filho no mar e, agora, nem sequer
tenho onde lhe pôr uma flor». Então, falei com um escultor que projetou este
monumento, atapetado por godos marinhos, com a estátua dum homem sem cabeça e
as costas em forma de cruz viradas ao mar que se vê ao fundo, onde as famílias
dos afogados desaparecidos podem fazer o luto. O vulto da mulher, arrojada no
chão e abraçada à estátua, traduz a dor de quantos aqui depositam suas flores”.
E
o meu pensamento recordou a tragédia da Ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios
que, no dia 4 de março de 2001, vitimou 69 pessoas, das quais 36 corpos nunca
foram recuperados. Sabendo que alguns foram encontrados no norte da Galiza e
que o mar deita fora tudo o que não é seu, pergunto-me se alguns não terão
ficado presos nestas grutas galegas.
E
estremeci ao pensar no que poderia ter acontecido a mim e aos meus. Eu conto.
Nesse
dia fatídico, almoçámos num restaurante junto ao rio Douro para festejar o
aniversário do nosso filho mais novo. Após a refeição, fomos dar um passeio por
Castelo de Paiva e viemos lanchar a Entre-os-Rios. Ao passar sobre a Ponte
Hintze Ribeiro, parei o carro e saímos para apreciar as águas límpidas do
Tâmega que, lá no fundo, eram engolidas pelas águas barrentas e tumultuosas do
Douro em dia de grande cheia. Seriam umas 17h30. A ponte veio a cair às 21h15.
Quatro horas apenas… Muito pouco para uma ponte (1884 - 2001) que durou cento e
dezassete anos ou seja um milhão, vinte e quatro mil, novecentas e vinte horas.
Não
costumo angustiar-me a pensar no que, de mal, me poderia ter acontecido, no
passado. Porque, como diz o Evangelho, ”basta a cada dia o seu próprio mal”.
(Mt 6,34) Mas pensar, penso…
O que, para mim, não passou duma hipótese, foi,
infelizmente, uma terrível realidade para aqueles «irmãos» a quem a morte
truncou a vida de modo tão abrupto no fim de um dia de felicidade. Por eles,
rezei junto daquele monumento arrepiante na sua brutal e trágica simbologia. E
não esqueci os seus familiares que, ainda hoje, vivem o pesadelo de tão
horrível catástrofe. Honra à memória dos que partiram e solidariedade aos que
os choram… “A flor murcha. A lágrima evapora-se. A oração Deus a acolhe. “
(Santo Agostinho)
(4/3/2020)
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