O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, abril 08, 2020

FAZ HOJE DEZANOVE ANOS

 


 

No dia de Fiéis Defuntos do ano passado, visitámos, no cemitério de Aguiño, na Galiza, o túmulo dos pais do amigo Andrés Queiruga. Ao fazê-lo, parei no monumento “Aos Mariñeiros Desaparecidos “ que ilustra este texto.

Ao ver os ramos de flores que o rodeavam, recordei o que me dissera o seu pároco: - “Aqui há muitos naufrágios e alguns corpos nunca mais aparecem porque ficam presos nas furnas submarinas que abundam nesta «Costa da Morte». Um dia, uma mulher, a chorar, disse-me: «Perdi o meu filho no mar e, agora, nem sequer tenho onde lhe pôr uma flor». Então, falei com um escultor que projetou este monumento, atapetado por godos marinhos, com a estátua dum homem sem cabeça e as costas em forma de cruz viradas ao mar que se vê ao fundo, onde as famílias dos afogados desaparecidos podem fazer o luto. O vulto da mulher, arrojada no chão e abraçada à estátua, traduz a dor de quantos aqui depositam suas flores”.


E o meu pensamento recordou a tragédia da Ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios que, no dia 4 de março de 2001, vitimou 69 pessoas, das quais 36 corpos nunca foram recuperados. Sabendo que alguns foram encontrados no norte da Galiza e que o mar deita fora tudo o que não é seu, pergunto-me se alguns não terão ficado presos nestas grutas galegas.

E estremeci ao pensar no que poderia ter acontecido a mim e aos meus. Eu conto.

Nesse dia fatídico, almoçámos num restaurante junto ao rio Douro para festejar o aniversário do nosso filho mais novo. Após a refeição, fomos dar um passeio por Castelo de Paiva e viemos lanchar a Entre-os-Rios. Ao passar sobre a Ponte Hintze Ribeiro, parei o carro e saímos para apreciar as águas límpidas do Tâmega que, lá no fundo, eram engolidas pelas águas barrentas e tumultuosas do Douro em dia de grande cheia. Seriam umas 17h30. A ponte veio a cair às 21h15. Quatro horas apenas… Muito pouco para uma ponte (1884 - 2001) que durou cento e dezassete anos ou seja um milhão, vinte e quatro mil, novecentas e vinte horas.

Não costumo angustiar-me a pensar no que, de mal, me poderia ter acontecido, no passado. Porque, como diz o Evangelho, ”basta a cada dia o seu próprio mal”. (Mt 6,34) Mas pensar, penso…

O que, para mim, não passou duma hipótese, foi, infelizmente, uma terrível realidade para aqueles «irmãos» a quem a morte truncou a vida de modo tão abrupto no fim de um dia de felicidade. Por eles, rezei junto daquele monumento arrepiante na sua brutal e trágica simbologia. E não esqueci os seus familiares que, ainda hoje, vivem o pesadelo de tão horrível catástrofe. Honra à memória dos que partiram e solidariedade aos que os choram… “A flor murcha. A lágrima evapora-se. A oração Deus a acolhe. “ (Santo Agostinho)
(4/3/2020)