O Tanoeiro da Ribeira

quinta-feira, maio 21, 2020

NO «SENHOR SANTO CRISTO»

 
No passado dia 17, lembrei-me do P. José Carlos, de S. Mateus do Pico nos Açores. Velho assinante da VP, quando vinha ao «Continente» passava pela nossa livraria. Emocionado, sempre falava de D. António de Castro Meireles que foi seu bispo: “Ainda hoje os olhos se alagam quando o recordamos”.

Aconteceu-me ao assistir à Eucaristia que a RTP1 transmitiu do Convento da Esperança, em Ponta Delgada. Logo no início, o celebrante, cónego Adriano Borges, saudou, de olhos humedecidos, os muitos açorianos dispersos pelo mundo que, naquele momento, estariam “ com uma lágrima no canto do olho”.

Na decoração singela da igreja do Santo Cristo dos Milagres, sobressaíam os antúrios vermelhos. Os doze jovens do coro, de traje preto, punham uma nota de contraste no doirado da talha e no azul dos azulejos. Tudo com muita elegância e bom gosto.

Na homilia, em nota prévia, o celebrante referiu três bispos que não puderam estar presentes: D. João Lavrador, bispo dos Açores desde 2016, “por razões de todos bem conhecidas”; do seu predecessor, D. António Sousa Braga (1996-2016), açoriano e grande devoto do Santo Cristo; e de D. José Tolentino de Mendonça que, “com palavras de poeta nos fala de Deus”.

Após o que, falou da tristeza que atormenta os muitos açorianos que a pandemia impede de estar presentes. Acrescentando, com um sorriso nos lábios: “Mas o Senhor Santo Cristo não está fechado. Está enclausurado, sim, mas é nos nossos corações”.

Mais que tristeza, hoje é dia de alegria como aquela de que fala a 1ª leitura: “E houve muita alegria naquela cidade”.

Congratulou-se com a serenidade e o silêncio, “perturbado por alguma lágrima” dos peregrinos, muitos descalços, que, no dia anterior e durante a noite, foram chegando a “este Campo do Senhor”. Comparou-o ao silêncio da Praça de S. Pedro e do Santuário de Fátima. Reforçou o apelo à interioridade com as palavras de S. Pedro, na 2ª leitura: “Venerai Cristo Senhor em vossos corações”.

De seguida, virando-se para a imagem do Senhor Santo Cristo, disse: “Reparai na ternura com que nos olha. Seus olhos parecem seguir-nos, não para nos castigar mas porque nos ama.

Ao comentar a leitura do Evangelho, fixou-se no «Se»: “Se me amardes, guardareis os meus mandamentos”. Este «Se» torna-nos livres. Cristo ama-nos. Mas não impõe o Seu amor. E, virando-se para a imagem, acrescentou: - “ Vede, Cristo está preso por cordas. Ele assume os laços que nos atam para que possamos ficar livres. “Se” quisermos…

Nós açorianos, “somos como a «viola de dois corações»: um parte para longe, mas o outro fica cá. É o símbolo da saudade que hoje nos amargura”

No final da Eucaristia, fiquei sensibilizado ao ouvi-lo ler uma carta de D. João Lavrador, um amigo da Voz Portucalense que, quando bispo auxiliar do Porto, muito visitava e enriquecia com seus textos.

No santuário de Nª Srª da Esperança, a promessa de novos dias:
“Nós temos saudades do «nosso querido Santo Cristo». Também Ele tem saudades de nós”. (20/5/2020)