O Tanoeiro da Ribeira

sexta-feira, julho 14, 2017

 UM PADRE DE RIJA TÊMPERA...



O 29.º Colóquio Europeu de Paróquias que está a decorrer em Barcelona fez-me recuar ao colóquio que se realizou nessa cidade em 1967. Nele, ficou memorável a intervenção do Paco, um humilde cura galego. Exigiu falar na sua língua materna, e não em espanhol, para enfrentar os padres do norte da Europa que assumiam uma postura de sobranceria frente aos portugueses e espanhóis que não passariam duns “pobrezitos” numa Igreja periférica. E disse, com voz segura: “ Sim, nós somos padres de uma Igreja pobre. Vós sois duma Igreja rica. Mas à custa de quê? À custa das matérias-primas e da miséria dos povos do Terceiro Mundo. Sois a Igreja dos exploradores. A vossa riqueza cheira a sangue…”

Fizemos amizade no Colóquio de Turim, em 1969. A partir de então, reservava a 2ª feira de Páscoa para vir ao Porto. Na de 1970, foi recebido por D. António Ferreira Gomes na sua casa de família em S. Martinho de Milhundos.

Padre e galego dos quatro costados, partilhava da desolação de Rosalia:Galiza…Tens mães que não têm filhos./ Filhos que não têm pai. / Viúvas de vivos mortos/”. Sofria as dores das famílias dos pescadores naufragados na Costa da Morte cujos corpos não mais apareciam. Para estas, ergueu, no cemitério local, um impressionante monumento ao “Marinheiro Desconhecido”, onde, com flores, podiam fazer o luto dos seus mortos. E construiu o sacrário da igreja com “godos” do mar, berço e túmulo dos seus paroquianos…

Na “via-sacra” que mandou fazer para a sua igreja, o Calvário de Jesus reatualizava-se no dia-a-dia dum povo amordaçado, proibido até de, na igreja, rezar na sua língua. Num cenário de paisagens galegas, Jesus, Maria e os Apóstolos surgem com feições e roupas camponesas e os soldados romanos com fardas e armas da Guarda Civil espanhola. Era um clamor evangélico contra a opressão do Estado e uma denúncia da Igreja serva dos poderosos, de que é exemplo o comentário que escreveu para a 11ª Estação: “A nossa Igrexa galega, de onde é? de Galicia?, e fala castelán? É unha Igreja de vivos ou de mortos? De culto ou de liberación? Dos pobres ou de quen? (cf. Encrucillada,- nº 71)”

Um moscardo a espicaçar as mentes adormecidas. Corajoso e frontal. Perseguido e mal visto pelos poderes dominantes e pelos bem instalados. Em contraste, o povo de Aguiño amava-o.  E lembra-o numa rua a que deu o seu nome de batismo: Francisco Lorenzo Mariño. Que falta fazem os Pacos!…

( 12 de julho de 2017)