O Tanoeiro da Ribeira

sexta-feira, julho 21, 2017


EM LOUVOR DE SANTA JUSTA


Era uma vez um menino da aldeia, o benjamim duma família de lavradores.
Naquela manhã, não saiu para o campo nem foi tocar os bois no engenho. Porque era dia de arranque da batata, ficou a ajudar mãe a fazer o jantar (agora, diz-se almoço). Enquanto ela ia com o caneco à fonte, ele deveria ir ao quinteiro buscar queirós para atear a fogueira.
Ao descer a escadaria de granito, sem corrimão, na ânsia de, cá do alto, descobrir as melhores acendalhas, nem reparou que se abeirava do vão da escada. Caiu desamparado. Sozinho, arrastou-se até à porta da rua para pedir ajuda. Quando regressou, a mãe, muito aflita, levou-o ao colo para a cama.
À refeição, ainda se levantou para ir à mesa comer com os vizinhos que tinham vindo ajudar a família. Mas ninguém lhe deu grande importância porque, pensavam, tudo não passaria de traquinice dos 7 anos… Mas, não…
Foi tarde e noite de sofrimento atroz, com fortíssimas picadelas na barriga.
Na manhã seguinte, o médico, Dr. João Vale, ao vê-lo, chamou imediatamente a ambulância para o transportar para a Ordem do Carmo onde operava o bem conhecido cirurgião, Professor Fernando Magano. Este logo diagnosticou uma rotura do baço. Na queda, ao bater no granito, as costelas flutuantes perfuraram o baço, o sangue espalhou-se por todo o corpo e já se acumulava na virilha. A infeção seria rápida e fatal.
Com autorização do pai que assumiu a responsabilidade pelos custos, foi anestesiado com clorofórmio e sujeito a uma “operação de barriga aberta”.
Foram quatro dias, com delírios e febres altíssimas, entre a vida e a morte. Recebeu a “Extrema-Unção”.
 Durante esse tempo, sua mãe não mais abrira as janelas da casa e a chaminé da cozinha não mais deitou fumo… A vizinhança também chorava e as senhoras faziam promessas. A quem? Naquele fim-de-semana, celebrava-se a festa de Santa Justa, na capelinha que branquejava lá longe no cume da serra que tem o seu nome.
E aconteceu…
Na noite de domingo para 2ª feira, o dia da festa, a febre foi descendo… e, para espanto de todos, o menino começou a melhorar.
Salvou-se e sem sequelas, até porque o baço não lhe foi retirado… Este regresso à vida de quem esteve às portas da morte, foi visto como um milagre de Santa Justa. Por isso, o menino subiu várias vezes a serra, amortalhado, e acompanhou, de vela acesa na mão, as vizinhas que, de joelhos, davam as prometidas voltas à capela. Milagre. Da medicina? Do amor dos pais? Do carinho dos vizinhos? De Santa Justa?
A verdade é que, ainda hoje, passados mais de 70 anos, aquele menino, sempre que avista a capela, reza a Santa Justa pelos dois médicos, pelos pais e irmãos e, também, pelos vizinhos. E, na próxima 2ª feira, irá novamente subir a serra para agradecer a Deus o dom da vida. (19/7/2017)