O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, março 25, 2015

A fragilidade dos símbolos


Há dias a propósito do artigo “Com maiúscula e com minúscula” (VP 25/2) e da notícia (JN 3/3) sobre um “falso padre, vestido com traje eclesiástico”, falava-se, numa tertúlia, sobre as mudanças das vestes clericais após o Vaticano II. E contaram-se vários episódios...
. Em 1968, num almoço de festa, um padre, de cabeção, ao ver vários colegas que não o traziam, disse, em tom bem audível e um tanto provocatório: “Ó senhor abade, este ano, convidou poucos sacerdotes...”. No almoço, quando todos louvavam o vinho servido, um dos padres visados perguntou: - Senhor abade, donde veio este vinho? - Da pipa da minha adega, respondeu. - Sem rótulo..., acrescentou o jovem padre, com um sorriso e amaciando o pescoço... Como veem, a qualidade está no produto. Fez-se silêncio, trocaram-se sorrisos e o vinho continuou a ser apreciado.
. Em 1971, D. António Ferreira Gomes ofereceu um jantar no Paço a um grupo de padres que se apresentaram de cabeção, exceto dois que vinham de gravata. E foram estes que D. António convidou para se sentarem a seu lado, durante a refeição.
. Um bispo, na década de oitenta, deu boleia a um casal de jovens que encontrou na estrada. Durante a viagem, perguntou-lhes : - Vocês conhecem-me? - Não, responderam. - Mas, pelo menos, sabem o que eu faço? - Não, respondeu o rapaz, mas sei que deve sofrer da coluna. - Porquê, perguntou o Bispo, surpreendido com a resposta – Porque usa esse colar cervical para lhe proteger o pescoço...
. Um dos presentes lembrou, ainda, o artigo Nótulas sobre o espírito e as formas na História do Cristianismo, publicado, em 1963, na revista Ensaios e, recentemente, integrado no livro MANUEL ÁLVARO MADUREIRA in memoriam. O Dr. Madureira era, quando o escreveu, presidente do Conselho de Professores do Seminário Maior do Porto. Dizia “Quando perguntaram a S. Vicente de Paulo qual o hábito que deveriam usar as irmãs de Caridade, respondeu-lhe que usassem o das mulheres do povo, nomeadamente da Bretanha. Queria claramente dizer que vestissem como as outras. Mas entenderam que não. E, assim, não só na Bretanha, como fora dela, aí andam as boas Irmãs, passados séculos, com aqueles chapéus ou toucas extravagantes a chamar a atenção dos transeuntes para um pormenor “folclórico” absolutamente descabido e alheio ao espírito desse inesquecível Fundador. Os hábitos talares, eclesiásticos ou religiosos, são sobrevivências fósseis de séculos recuados, algumas tão antigas que derivam do mundo judaico ou greco-romano. (…) Que pensou Jesus do vestuário? Como vestiu? Não seguiu os costumes dos homens do seu tempo? Não fizeram o mesmo os apóstolos?” Estas perguntas têm mais de 50 anos...
Interrogo-me: já houve algum “falso padre” que se apresentasse de gravata? Quão frágeis são os símbolos...
(25/3/2015)