A fragilidade dos símbolos
Há dias a propósito do artigo “Com
maiúscula e com minúscula” (VP 25/2) e da notícia (JN 3/3) sobre
um “falso padre, vestido com traje eclesiástico”, falava-se,
numa tertúlia, sobre as mudanças das vestes clericais após o
Vaticano II. E contaram-se vários episódios...
. Em 1968, num
almoço de festa, um padre, de cabeção, ao ver vários colegas que
não o traziam, disse, em tom bem audível e um tanto provocatório:
“Ó senhor abade, este ano, convidou poucos sacerdotes...”. No
almoço, quando todos louvavam o vinho servido, um dos padres visados
perguntou: - Senhor abade, donde veio este vinho? - Da pipa da minha
adega, respondeu. - Sem rótulo..., acrescentou o jovem padre, com
um sorriso e amaciando o pescoço... Como veem, a qualidade está no
produto. Fez-se silêncio, trocaram-se sorrisos e o vinho continuou a
ser apreciado.
. Em 1971, D.
António Ferreira Gomes ofereceu um jantar no Paço a um grupo de
padres que se apresentaram de cabeção, exceto dois que vinham de
gravata. E foram estes que D. António convidou para se sentarem a
seu lado, durante a refeição.
. Um bispo, na
década de oitenta, deu boleia a um casal de jovens que encontrou na
estrada. Durante a viagem, perguntou-lhes : - Vocês conhecem-me? -
Não, responderam. - Mas, pelo menos, sabem o que eu faço? - Não,
respondeu o rapaz, mas sei que deve sofrer da coluna. - Porquê,
perguntou o Bispo, surpreendido com a resposta – Porque usa esse
colar cervical para lhe proteger o pescoço...
. Um
dos presentes lembrou, ainda, o artigo Nótulas sobre o
espírito e as formas na História do Cristianismo,
publicado, em 1963, na revista Ensaios e,
recentemente, integrado no livro MANUEL ÁLVARO MADUREIRA
in memoriam. O Dr. Madureira
era, quando o escreveu, presidente do Conselho de Professores do
Seminário Maior do Porto. Dizia “Quando perguntaram a S. Vicente
de Paulo qual o hábito que deveriam usar as irmãs de Caridade,
respondeu-lhe que usassem o das mulheres do povo, nomeadamente da
Bretanha. Queria claramente dizer que vestissem como as outras. Mas
entenderam que não. E, assim, não só na Bretanha, como fora dela,
aí andam as boas Irmãs, passados séculos, com aqueles chapéus ou
toucas extravagantes a chamar a atenção dos transeuntes para um
pormenor “folclórico” absolutamente descabido e alheio ao
espírito desse inesquecível Fundador. Os hábitos talares,
eclesiásticos ou religiosos, são sobrevivências fósseis de
séculos recuados, algumas tão antigas que derivam do mundo judaico
ou greco-romano. (…) Que pensou Jesus do vestuário? Como vestiu?
Não seguiu os costumes dos homens do seu tempo? Não fizeram o mesmo
os apóstolos?” Estas perguntas têm mais de 50 anos...
Interrogo-me: já
houve algum “falso padre” que se apresentasse de gravata? Quão
frágeis são os símbolos...
(25/3/2015)
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