Música para a Quaresma
“Nada de
tão material como a música: a voz, instrumentos de sopro, de
percussão e de cordas e disso tudo resulta o que nos enleva, nos
transporta para a transcendência, nos coloca lá no donde viemos e
lá para onde verdadeiramente queremos ir e habitar. Feita de tempo,
a música pára o tempo, transcende o tempo e tange o eterno. Ali,
onde quereríamos estar sempre, e já não há morte.”
No início
desta quaresma, dois momentos houve que me fizeram lembrar este texto
do P. Anselmo Borges. O primeiro foi na noite de 21 de fevereiro
quando, na igreja de S. Martinho de Bougado, assistia à Oratória
cantada por Teresa Salgueiro, com a colaboração do coro dessa
comunidade paroquial. Foi uma verdadeira paraliturgia com leituras
bíblicas a enquadrarem os “Cânticos da tarde e da manhã”
que a voz sublime de Teresa Salgueiro trouxe até nós. Foi um
momento único de espiritualidade. A transcendência fez-nos esquecer
o frio dessa noite chuvosa e transportou-nos para um “outro mundo”
sem tempo e sem sofrimento.
O
segundo aconteceu no dia 27 de fevereiro quando ouvia o cd “Via
Sacra”,
editado pela “Ecclesialis” da Diocese do Porto. Como esclarece o
libreto, “A Via
Sacra constitui
a referência fundamental para as imagens musicais densas, dramáticas
e de cores fortes que estão formalizadas nestas quatorze
improvisações, gravadas no magnífico órgão ibérico de São
Lourenço do Seminário Maior do Porto. Estas meditações
trabalhadas numa óptica perfomativa sinfónica, oferecem-nos quadros
musicais complexos, atingindo quase uma verdadeira orquestra que
canta a paixão de Cristo.” O seu criador é Giampaolo Di Rosa,
organista titular dos grandes órgãos de Santo António dos
Portugueses em Roma e organista residente da Sé Catedral de Leon em
Espanha.
A música é sempre uma comunicação
expressiva. A linguagem da arte é subjetiva e própria para traduzir
o mais íntimo. É uma forma de desocultar o que nos vai na alma.
Pela arte, vemos o que é invisível e ouvimos o que é inaudível. A
ambiguidade dos sinais permite uma multiplicidade de interpretações.
Aberta ao diálogo, possui um conteúdo renovado para quem a usufrui
que se torna recriador de significação.
No cd “Cânticos da tarde e da
manhã”, a poesia, a música e a voz elevam-nos até Deus e a
sua mensagem torna-se explícita na objetividade das palavras. Já em
“Via Sacra”, apenas música, é dado campo à
subjetividade: do organista que cria e do ouvinte que recria. O grito
estridente do “Crucifica-o” contrasta com a serenidade do “Tudo
está consumado” e o quase silêncio do sepulcro...
Sem querer meter foice em seara alheia,
parece que estes dois CDs, disponíveis na nossa livraria, poderão
contribuir para uma mais intensa vivência quaresmal das pessoas e
das comunidades.
(4/3/2015)
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