O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, março 04, 2015

Música para a Quaresma



Nada de tão material como a música: a voz, instrumentos de sopro, de percussão e de cordas e disso tudo resulta o que nos enleva, nos transporta para a transcendência, nos coloca lá no donde viemos e lá para onde verdadeiramente queremos ir e habitar. Feita de tempo, a música pára o tempo, transcende o tempo e tange o eterno. Ali, onde quereríamos estar sempre, e já não há morte.”
No início desta quaresma, dois momentos houve que me fizeram lembrar este texto do P. Anselmo Borges. O primeiro foi na noite de 21 de fevereiro quando, na igreja de S. Martinho de Bougado, assistia à Oratória cantada por Teresa Salgueiro, com a colaboração do coro dessa comunidade paroquial. Foi uma verdadeira paraliturgia com leituras bíblicas a enquadrarem os “Cânticos da tarde e da manhã” que a voz sublime de Teresa Salgueiro trouxe até nós. Foi um momento único de espiritualidade. A transcendência fez-nos esquecer o frio dessa noite chuvosa e transportou-nos para um “outro mundo” sem tempo e sem sofrimento.
O segundo aconteceu no dia 27 de fevereiro quando ouvia o cd “Via Sacra”, editado pela “Ecclesialis” da Diocese do Porto. Como esclarece o libreto, “A Via Sacra constitui a referência fundamental para as imagens musicais densas, dramáticas e de cores fortes que estão formalizadas nestas quatorze improvisações, gravadas no magnífico órgão ibérico de São Lourenço do Seminário Maior do Porto. Estas meditações trabalhadas numa óptica perfomativa sinfónica, oferecem-nos quadros musicais complexos, atingindo quase uma verdadeira orquestra que canta a paixão de Cristo.” O seu criador é Giampaolo Di Rosa, organista titular dos grandes órgãos de Santo António dos Portugueses em Roma e organista residente da Sé Catedral de Leon em Espanha.
A música é sempre uma comunicação expressiva. A linguagem da arte é subjetiva e própria para traduzir o mais íntimo. É uma forma de desocultar o que nos vai na alma. Pela arte, vemos o que é invisível e ouvimos o que é inaudível. A ambiguidade dos sinais permite uma multiplicidade de interpretações. Aberta ao diálogo, possui um conteúdo renovado para quem a usufrui que se torna recriador de significação.
No cd “Cânticos da tarde e da manhã”, a poesia, a música e a voz elevam-nos até Deus e a sua mensagem torna-se explícita na objetividade das palavras. Já em “Via Sacra”, apenas música, é dado campo à subjetividade: do organista que cria e do ouvinte que recria. O grito estridente do “Crucifica-o” contrasta com a serenidade do “Tudo está consumado” e o quase silêncio do sepulcro...
Sem querer meter foice em seara alheia, parece que estes dois CDs, disponíveis na nossa livraria, poderão contribuir para uma mais intensa vivência quaresmal das pessoas e das comunidades.
(4/3/2015)