O Tanoeiro da Ribeira

quinta-feira, novembro 20, 2025

NEM 'VALE DE LÁGRIMAS'...NEM 'MAR DE ROSAS'...

A inspiração para este texto nasceu no Dia de Todos-os-Santos, ao ouvir, na TV, uma jovem dizer que a ‘gente mais nova já não está para essas coisas’. E confirmou-se quando, ao visitar os cemitérios, vi poucos jovens e nenhumas crianças… O Homem, ‘ser bio-psico-social’ no dizer de Edgar Morin, é, na espiritualidade, que encontra a plenitude. ‘Ser das lonjuras e do simbólico’, procura um sentido para o imediato e o concreto em que vive mergulhado. Abre-se ao outro e ao ‘para além’. E aí, encontra as coordenadas que lhe orientam o agir: a da horizontalidade que, na sua imanência, o relaciona com os seus iguais - Ética - e a da verticalidade que o eleva à Transcendência - Religião. A antropologia afirma que, na Antropogénese - evolução da espécie - o ‘culto dos mortos’ é o primeiro sinal da espiritualidade humana. O ‘Homem de Neandertal’, há uns 400 mil anos, punha flores junto dos corpos que enterrava. No Paleolítico Superior, uns 50 mil anos atrás, colocavam no túmulo objetos do quotidiano Estes rituais indiciam que, já então, o homem despertava para o sentido do sagrado e do transcendente. O corpo é mais que um cadáver em decomposição. O outro pelo facto de morrer não deixa de fazer parte da vida. Ao longo dos séculos, com formas variadas, estes ritos perpassaram todas as culturas. Na atualidade, o homem, autoconvencido da sua omnipotência científica e tecnológica, ignora a finitude e recusa o mistério. Por isso, não encontrando remédio nem sentido para a morte, procura varrê-la para debaixo do tapete. E esta transformou-se no último dos seus tabus. A este propósito, quero partilhar convosco um texto que li no facebook: “Vivemos tempos estranhos. Pais que afastam os filhos dos funerais - “para não traumatizar?” – mas vestem-nos de mortos-vivos e fantasmas no Halloween. Dizem que o luto é pesado demais para uma criança. Mas o que é mais pesado? Ver alguém partir com amor e verdade, ou crescer sem nunca aprender a lidar com a perda? A morte não é um espetáculo, é um mistério. E escondê-la não protege – confunde. Quando a criança não é ensinada a despedir-se, ela aprende a fugir da dor. E quem foge da dor, um dia não saberá o que fazer com ela. (…) O Halloween banaliza o feio, o assustador, o sombrio – transforma o medo em entretimento. Mas o medo não educa. Dessensibiliza. E uma criança que brinca com o medo macabro, sem entender o sagrado da vida e da morte, cresce sem bússola emocional, sem reverência, sem profundidade. Não se trata de proibir festas. Trata-se de ensinar o que tem valor. De mostrar que a beleza é mais forte que o grotesco, que o amor vence a escuridão, que a fé dá sentido ao fim. Leva os teus filhos a um funeral. Deixa-os ver o amor que chora, a lágrima que despede, a mão que acaricia pela última vez. Ensina-lhes que morrer faz parte de viver. Porque uma criança que aprende a enfrentar a morte, saberá amar sem medo, sofrer sem se perder, e acreditar na vida que continua. Não é o Halloween que assusta. É a indiferença. É criar filhos que sabem brincar com o escuro, mas não sabem acender a luz.” (Padre João Torres). E recordei os tempos da minha infância em que partilhávamos do sofrimento da família quando alguém falecia e assistíamos ao seu funeral. Isso ia criando antídotos para momentos mais dolorosa da vida. Falemos dos ‘nossos queridos mortos’ às crianças. É a forma de lhes dar vida e de os tornar presentes no seu dia a dia. Uma vez por outra, convidemo-las a ir ajudar-nos a enfeitar os seus jazigos. Façamos silêncio e rezemos. E se nos virem a chorar, não faz mal, ficarãom a saber que, quando nos morre alguém, as lágrimas se escondem, silenciosas, no coração, sempre prontas a saltar-nos para os olhos… Razão tinha o saudoso Papa Francisco ao questionar esta sociedade que “oculta a morte porque isso empobrece a humanidade e rompe com os laços da compaixão”. É tempo de se rever ao espelho, esta sociedade, geradora de frustrações, que não prepara as crianças para a dureza dos dias. A terra não é um ´vale de lágrimas’, mas também não é um ‘mar de rosas’… Há horas para tudo, diz a Sagrada Escritura: “Há tempo para nascer e tempo para morrer. Tempo para chorar e tempo para rir. Tempo para gemer e tempo para dançar” (Ecl, 3, 2). (19/11/2025)