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Lembrei-o quando, no mosteiro de Arouca, participava na ‘Missa de 7.º Dia‘do amigo P. António Brito Peres. E não foi por acaso. Por ambos dei graças. Era o ‘Dia de Todos-os-Santos’. - ”Santificai, Senhor, a Vossa Igreja.” (Oração dos Fiéis)
“O livro da minha vida é o relato de um caminho de esperança que não posso imaginar separado da minha família, da minha gente Uma autobiografia é mais o nosso saco de viagem.” Assim começa a Introdução do livro ‘Esperança’ do Papa Francisco (pág.9)
O ‘7Margens’, aquando da sua publicação, relevou o capítulo 21 (pág. 281) – ‘O escândalo da paz’ – em que o Papa dá conta dos seus esforços e dos seus contactos com Moscovo e Kiev, para acabar com “a Guerra (que) atingiu o coração da Europa e varreu as últimas ilusões acerca o ‘fim da história’ que haviam acompanhado a queda do Muro de Berlim” (pág. 282)
Já o Jornal de Notícias (19/1/2025) valorizou peripécias que falam das suas ‘Traquinices de criança’ – espiar uma viúva e imitar os filmes; dos ‘Imprevistos’ – Cozinheiro aos 12 anos; dos ‘Namoros’ – Atração por três raparigas; das ‘Pequenas coisas’ – Saudades de comer pizza.
Eu, porém, quero realçar a sua condição de filho e neto de imigrantes.
Não é por acaso que este tema enche o primeiro capítulo que é precedido pelo ‘Prólogo’ (pág. 11) onde o Papa, com belo recorte literário, narra o naufrágio do ‘navio conhecido por ‘balaina’ (bailarina), com ‘mais de 1 200 passageiro, predominantemente migrantes piemonteses, lígures e venezianos’, quando ‘rumava às costas do Brasil, na direção de Porto Seguro”.
E termina dizendo:
“Os meus avós e o seu único filho, Mário, que viria a ser o meu pai, haviam comprado o bilhete para aquela longa travessia, para aquele navio que zarpou do porto de Génova a 11 de outubro de 1929, com destino a Buenos Aires.
Mas não o apanharam. Embora tivessem tentado, não tinham conseguido vender a tempo aquilo que possuíam. No final, contra sua vontade, os Bergoglio foram obrigados a trocar o bilhete, a adiar a partida para a Argentina.
Por isso, estou aqui agora.
Não imaginam quantas vezes me encontrei a agradecer à Providência Divina”.
O capítulo 1 (pág. 17) começa por informar:
“Partiram, finalmente.
“Uma multidão havia partilhado com eles aquela longa viagem de esperança. Teriam sido milhões e milhões a partir de Itália para ‘La Merica’ (…) Na direção de Buenos Aires, foram muito mais de duzentos mil, apenas nos últimos quatro anos que precederam aquele 1929.”
Ontem como hoje…
“Quem emigrava enfrentava geralmente todo o género de dificuldades e sacrifícios para embarcar. Quase sempre, depois de ter sido persuadidos por agentes e subagentes da imigração. Passavam nas aldeias durante as feiras, falavam da América como a nova ‘terra prometida’, uma terra de maravilhas. Pagos pela companhia de emigração por cada família que conseguiam convencer a abandonar as suas terras, estes agentes foram mesmo comparados, pela imprensa, a comerciantes de escravos.”
E concretiza:
“Porém, os muitos que o fizeram e desembarcaram em Buenos Aires, depararam-se depois com uma realidade áspera e dura, como uma bofetada, a do Hotel de Imigrantes, em que podiam permanecer não mais de cinco dias, onde o odor acre do ácido fénico não conseguia vencer o mau cheiro nauseante que vem do pavimento viscoso e sujo, um odor de humanidade amontoada, de miséria.”
E assim se compreende a sua visita a Lampedusa:
“Tinha de ir a Lampedusa para rezar, para realizar um gesto de proximidade, para exprimir a minha gratidão e o meu encorajamento aos voluntários e às populações daquela pequena realidade que sabia oferecer exemplos de solidariedade concretos. E, sobretudo, para despertar as nossas consciências e apelar às nossas responsabilidades.” (pág. 25)
Deixou-nos um apelo de premente atualidade:
“É preciso reagir com decisão a qualquer mentalidade de fechamento, de xenofobia, de recuo sobre si mesmo, e pior ainda, de ódio.” (pág. 57)
E o Papa Leão XIV, na Praça de S. Pedro, durante Missa do Jubileu dedicado aos migrantes, renovou este mesmo apelo: “Irmãos, essas embarcações que esperam avistar um porto seguro onde se deter e esses olhos cheios de angústia e esperança que procuram uma terra firme onde chegar não podem, nem devem encontrar a frieza da indiferença ou o estigma da discriminação. - JN, 6/10/2025” (12/11/2025)

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