O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, julho 05, 2023

UM CÂNTICO À ESPERANÇA

Este título surgiu-me quando acabei de ler ‘Folhas à Solta’ de José Augusto da Silva Vieira. Um bálsamo para a alma que me humedeceu o olhar… Escrito durante a “guerra permanente com o vírus de uma pandemia execrável” e a invasão da Ucrânia pela Rússia, “uma monstruosidade”, este livro é um poético apelo à Esperança. Como bem escreveu, em posfácio, Queirós Ribeiro, “O poeta repara, sente, contempla, sonha, emociona-se e canta ora em tom maior ora em tom menor mas acaba sempre por se solver, re/solver,na harmonia das palavras que apontam o indizível e indefinível”. Logo no primeiro poema que dá título ao livro, surge o binómio contrastante entre o facto e o sonho. No início, é a claustrofobia angustiante: “Somos Folhas Soltas / amarradas pelo cordão desta pandemia longa e dura. / Aves prisioneiras em gaiolas de saudade. / Espreitamos a medo o céu da liberdade.” No final, a esperança libertadora: “Queremos ser Folhas à Solta. / Queremos ter sonhos à solta. / Queremos ver multidões à solta. / E a noite incandescente de amor há-de chegar./ E alguém há-de gritar: / O Povo venceu!”. O poema – “não fiques a ver navios comanda o teu leme” – é um mergulho introspetivo na intimidade do Eu onde se encontra com a sua ‘estrela polar’. “Vou ao leme e, não largando o leme, /conquisto a bonança da vida. / Navego em mim. Mas – sabes? – penso em ti. /Sem ti, o mar não tem sentido. / E, quando não há sentido, nem a bússola conhece o norte.” O ‘Eu’ só existe porque há o ‘Tu’ e é o ‘Nós’ que lhes dá sentido. O ‘Nós’ nega o aforismo de Sarte: ‘O inferno são os outros’. Está na base de tudo o que somos… Ele precede-nos… Em “por cada minuto zangado perdes sessenta segundos de felicidade”, faz uma análise ontológica do tempo psicológico. “E quando a zanga cresce, / e quando a zanga dura, / cava funda a sepultura, / faz das vidas um inferno. / Assim / o tempo não passa. / Assim / o segundo é eterno.” A eternidade mora dentro de nós. Está em nossas mãos fazê-la céu ou inferno… O poema – Tem gente que mora perto; Tem gente que mora longe; Tem gente que mora na gente – depois de falar de “gente que mora perto/ de si /de ti/ de mim / - de nós”. De “gente que mora longe/ de si/ de ti/ de mim/- de nós”. E de gente que mora / em si/em ti/ em mim/ /- em nós”, termina numa saudável provocação : “Agora/ sem evasão/ e sem voz perdida, / responde: / onde/mora/teu coração? / No turbilhão/ ou/ no silêncio da vida?” Em “se o copo está meio vazio que seja por brindar aos sucessos celebrados”, exalta a felicidade que flui da partilha dos pequenos ‘nadas’ que nos enchem a vida: “e não esmoreças. Muitas são as razões / e muitos os momentos para brindar (…) E em qualquer situação / Converte um simples sorriso, numa saudação, ainda que ligeira, /ou uma chamada telefónica, ainda que breve,/ em forma de celebrar.” Em “Mãe”, é o coração que fala em suaves ondas de saudade. O seu ritmo binário, a lembrar o paralelismo dos salmos, indicia uma sacralidade que os versos finais explicitam: A dor / que ainda se sente / diz-me que Mãe é Mãe eternamente” A Mãe é cantada como “amor que brota de um oásis”; “o refúgio de teus filhos”; “a grande esperança para mim”. “ “Mãe, teu coração, veste em cada manhã /as letras mais doces do alfabeto (…) Mãe, teus olhos quando choram / choram orvalho da manhã, / consolação para os filhos, longe ao perto, /amor que brota de um oásis/ sem deserto.” No poema metafísico “O rio da Vida”, parte da harmonia cósmica do ser: “O meu rio cicia os doces acordes de um Novo Hino da Alegria/ É mar à vista! / Oceano de flores que relembram com saudades! A magia dos seus afluentes.” Para mergulhar na transcendência do humano: “O meu rio corre já sem margens. / É um mistério. O mistério da Vida.” “Quando eu partir “é um hino de louvor, de gratidão, de esperança: “Quando eu partir, / não chores. As lágrimas, rolando a sua fragilidade / pela face, logo secam. / Deixa que as lágrimas se transformam em sorriso /Os sorrisos espelham então a fé/ de quem ama na hora da partida”. A vida, que já é um dom em si mesma, faz-se Graça, se vivida na Esperança. (5/7/2023)