O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, junho 06, 2023

MUDAM-SE OS TEMPOS...

“Saudade e gratidão / eis a nossa despedida / saudade por que nos vamos / gratidão por toda a vida.” Assim cantámos, em 1958, na ‘Academia de Despedida’ do seminário de Vilar. E voltámos a cantar, na ‘Reunião de Curso’ do passado dia 19, no seminário do Bom Pastor. Agora a saudade não é ‘por que nos vamos’, mas é, sim, dos muitos colegas que connosco cantaram e já não estão entre nós. Também eles ‘estiveram’, na Eucaristia concelebrada pelos padres Avelino Ricardo, do Seminário do Bom Pastor – que presidiu; Damião Basto, de Agrela; António Meireles, de S. João da Folhada; Augusto Baptista, de Perosinho; José Loureiro, de Custóias e monsenhor Correia Fernandes, o nosso diretor. Por motivos de doença, não puderam participar os padres Brito Peres, de Arouca, e Pedro Gradim, de Leça do Balio. E a gratidão fez-se oração de louvor por, após 65 anos, podermos continuar a festejar a vida e a honrar a memória. Quando todos os professores, de então, já partiram, a gratidão personalizou-se no P. Valdemar Pinto, nosso professor de Português do 4.º e 5.º ano, que nos deixou dois cadernos com as nossas redações. Quanta emoção ao vermos a caligrafia adolescente e a ‘inocência’ dos nossos textos, como disse o José Felismino que organizou um dossier individual e ofereceu a cada um dos presentes. Que bom estava o almoço, servido pelas irmãs religiosas que tão bem nos acolheram, em sua casa, nesta festa em que celebrámos o 60.º aniversário do fim do curso de 1951-63 e a ordenação de 23 presbíteros. Até nos presentearam com um bolo comemorativo e as velas foram sopradas pelo mais novo do Curso, o P. Correia Fernandes. No final, o P. Avelino dirigiu-lhes palavras de agradecimento e, em sua honra, cantámos: ‘Olha a bela capelinha…’ No passado dia 4, na ‘Primeira Comunhão’ da Clara e na ‘Profissão de Fé’ do Francisco, em S. Nicolau, relembrei uma dessas redações que poderá levar-nos a reviver momentos felizes da infância. Comunhão Solene – 1955 “(…) De manhã, o rufar dos tambores, o estoirar dos foguetes e o badalar festivo dos sinos vieram-me acordar. Um sol de Agosto doirava a terra e bebia as últimas gotas de orvalho – sóis em miniatura. Vesti-me e caminhei para a igreja. As crianças pouco a pouco foram chegando, na fronte delas resplandecia, qual pedra em água cristalina, a alegria dimanada do seu coração. As oito horas bateram sonoras e compassadas no relógio da torre. Iam começar as cerimónias. Os pequenos de fato preto, laço branco no braço, ‘ferrolho’ ao pescoço, e um terço branco a tremeluzir no peito, seguiam na frente em duas filas indianas; as pequenas, de sapatos brancos, vestido alvo e roçagante, um véu cor da neve formando na cabeça uma coroa de flores, um terço puro como as suas almas enrolado no braço; o cabelo loiro apertado e enfeitado por laços branquíssimos que reluziam através do véu, uma saquinha da mesma cor do lenço e do terço, pendente dum braço, seguiam após os rapazes. Era, na verdade, maravilhoso! Tudo exalava pureza e alegria: quer o sorriso franco e doce das crianças; quer os vestidos brancos, os laços que não passavam de sinal exterior dos sentimentos da alma. (…) As cerimónias acabaram e a petizada, qual rebanho de cordeirinhos em fresca manhã primaveril, dispersaram-se pelo adro da igreja onde as famílias as esperavam com o almoço (pequeno almoço). (…) Quando as cinco horas soaram, já as crianças despejavam Ave Marias, quais pétalas preciosas, no regaço de Nossa Senhora. Findo o ‘terço’, organizou-se a procissão. À frente as bandeiras de S. José e do Sagrado Coração de Jesus com pequenos vestidos com opas amarelas e vermelhas; depois os pequenos e pequenas da ‘Cruzada Eucarística’, de faixa branca com uma cruz vermelha; a seguir vários anjinhos; após estes, os meninos e as meninas da Comunhão; depois, as raparigas da JACF com saia azul e blusa branca (…); em seguida a bandeira de S. Martinho e o pálio (…); atrás desse, a música e a grande massa de fiéis. Uma multidão compacta apinhava-se nas bordas da estrada, furando pelos ombros uns dos outros, desejosos de observar a procissão. Já as sombras subiam do fundo do vale (…) quando me despedi daquela ‘criançada’ já saudosa.” Outros tempos, outras vivências. O mesmo gosto pela vida… (7/6/2023)