ESTA VIAGEM QUE NOS PLASMA
“A Grande Viagem” é o título dum livro didático, de que sou coautor, editado pela Santillana, para o ensino de “História e Geografia de Portugal”. Lembrei-o ao invocar, nas vésperas do “Dia de Portugal”, o discurso que o madeirense Tolentino Mendonça proferiu nas comemorações do ano passado.
D. Tolentino começou por responder à questão ‘O que é amar um país?’, com palavras de Simone Weil’: “Podemos amar um país idealmente, emoldurando-o para que permaneça fixo numa imagem de glória, e desejando que esta não se modifique jamais. Ou podemos amar um país como algo que, precisamente por estar colocado dentro da história, sujeito aos seus solavancos, está exposto a tantos riscos. São dois amores diferentes. Podemos amar pela força ou amar pela fragilidade. Mas, quando é o reconhecimento da fragilidade a inflamar o nosso amor, a chama deste é muito mais pura.”
Glorificou os ‘nossos egrégios avós’ em Camões e na sua dádiva, ‘Os Lusíadas’, “que nos leva por mar à Índia” e “faz-nos aportar àquela consciência última de nós mesmos.” E acrescentou que não podemos ficar por aí porque “no itinerário de um país, cada geração é chamada a viver tempos bons e maus, épocas de fortuna e infelizmente também de infortúnio”.
Amar o nosso país, é amar este chão onde se agarram raízes antigas e novas vão brotando. Cada geração deve renovar, no seu húmus, a matriz da compaixão e da fraternidade: “O amor a um país, ao nosso país, pede-nos que coloquemos em prática a compaixão – no seu sentido mais nobre – e que essa seja vivida como exercício efetivo da fraternidade. Compaixão e fraternidade são permanentes e necessárias raízes de que nos orgulhamos, não só em relação à história passada de Portugal, mas também àquela hodierna, que o nosso presente escreve. E é nesse chão que precisamos, como comunidade nacional, de vincar ainda novas raízes”.
Aconselhou três fertilizantes para enriquecer os nutrientes que o tempo vai esgotando.
O primeiro é um pacto comunitário – “Celebrar o Dia de Portugal significa, portanto, reabilitar o pacto comunitário que é a nossa raiz. Sentir que fazemos parte uns dos outros, empenharmo-nos na qualificação fraterna de vida comum, ultrapassando a cultura da indiferença e do descarte.”
O segundo exige um pacto intergeracional – “O pior que nos poderia acontecer seria arrumarmos a sociedade em faixas etárias, resignando-nos a uma visão desagregada e desigual. É um erro pensar ou representar uma geração como um peso, pois não poderíamos viver uns sem os outros”.
Temos de assinar, ainda, um pacto ambiental: “Precisamos de construir uma ecologia do mundo, onde em vez de senhores despóticos apareçamos como cuidadores sensatos, praticando uma ética da criação”.
E assim, sentir-nos-emos participantes e acompanhados nesta “Grande Viagem” que vem de muito longe. “Portugal é uma viagem que fazemos juntos há quase nove séculos. E o bem maior que esta nos tem dado é a possibilidade de ser em comum, a tarefa apaixonante e sempre inacabada de plasmar uma comunidade aberta e justa de mulheres e homens livres, onde todos são necessários, onde todos se sentem – e efetivamente são – corresponsáveis pelo incessante trânsito que liga a multiplicidade das raízes à composição ampla e esperançosa do futuro”.
Na última peregrinação de Fátima, D. Tolentino renovou o apelo à Fraternidade e à Esperança. (9/6/2021)
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