O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, maio 26, 2021

LIÇÕES VINDAS DE MADAGÁSCAR

Quando passam seis anos sobre a encíclica ‘Laudato Si’ (24/5/2015) e já se fala da presença do Papa Francisco na próxima cimeira climática de Glasgow, socorri-me do canal Odisseia e fui conhecer os ‘génios da floresta de Madagáscar’: as baobás e os lémures. As boabás são árvores de grande porte. A maior que foi apresentada media cerca de 29 metros de perímetro. Estes colossos, ocos por dentro, armazenam e purificam, durante o inverno, água suficiente para sustentar uma família durante um mês. Os locais abrem um janelo, no cimo do tronco, e retiram a água com baldes presos por cordas. Este golpe não afeta a saúde da árvore que se reconstitui no inverno seguinte. Próprias de zonas tropicais áridas onde a água é muito escassa, as boabás são fontes de vida. E, no entanto, estão a desaparecer. A floresta está a ser queimada para dar lugar a campos de cultivo. Estes gigantes da natureza resistem ao fogo e mantêm-se viçosas mesmo quando, à sua volta, as outras espécies são transformadas em cinzas. Na reportagem, viam-se algumas boabás, solitárias e perdidas no meio de campos cultivados de soja. E o biólogo que guiava a expedição explicou: “Sem se saber porquê, daqui a algum tempo, começarão a definhar e acabarão por morrer”. E acrescentou; “Aguentam o fogo mas não a solidão que o homem lhe vai criando”. Esta, a primeira lição. Se até as árvores não aguentam a solidão, que dizer das pessoas metidas em casa durante os longos períodos de confinamento? E pensei, especialmente, naquelas que vivem sozinhas: só viam paredes à sua frente sem ninguém com quem conversar. Que tortura e que heroicidade! E vieram-me à mente as palavras da escritora Lídia Jorge no 14º Encontro Nacional de Referentes da Pastoral da Cultura, em 28 de abril: “ A pessoa que tem Deus (…) está mais segura, tem uma proteção, um dialogante válido, sabe a quem dirigir-se.” Que bom é o dom da Fé! Também os lémures correm risco. A descoberta de safiras atraiu muita gente que abriu enormes clareiras na floresta e crateras na terra, em busca da preciosa pedra azul. Ao ver aqueles garimpeiros, em condições infra-humanas, a cavar minas, peneirar terras e aluviões, lembrei-me dos ‘bandeirantes’ que, no século XVIII, se embrenhavam no sertão brasileiro à procura de ouro. Eram verdadeiras cidades ambulantes. O mesmo está a acontecer nesta ilha do Índico. Para além das minas, nascem povoações que vão reduzindo o habitat necessário para os ‘lémures’ se alimentarem e reproduzirem. A destruição da floresta põe em risco a sua sobrevivência. Quando a repórter perguntou ao guia local por que não se impede este ataque à biodiversidade do planeta, ele respondeu: “Há um provérbio malgaxe que diz: ‘barriga vazia não ouve”. Já o venerável Padre Américo dizia que não se pode pregar o Evangelho a estômagos vazios. É interessante verificar que esta sabedoria empírica foi confirmada por A. Maslow, com a célebre ‘pirâmide das necessidades humanas’. Na base, está a subsistência. Enquanto esta não estiver assegurada… Assim também os povos. Se as nações ricas do Norte não apoiarem o desenvolvimento sustentável das economias do Sul, de pouco servem as convenções. Esta, a segunda lição. É tempo de “transformar compromissos em ações concretas”, disseram os bispos europeus a propósito da recente ‘Cimeira Social do Porto’. (26/5/2021)