O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, abril 28, 2021

OS CATÓLICOS E A 'CAUSA PÚBLICA' - III

No colóquio sobre o ‘25 de Abril’, organizado pela Universidade Popular do Porto, em 12 de Junho de 2007, o último interveniente começou por afirmar que a matriz do seu testemunho diferia da dos anteriores uma vez que o seu percurso de vida assentava em motivações religiosas. Nasceu numa família católica que sofreu com a sanha antirreligiosa da Primeira República. Cresceu a ouvir falar de Salazar como o “Salvador da Religião e da Pátria”. Mas… Aos 19 anos, fez-se vicentino. Ao entrar nos tugúrios das velhas ruas do “Morro da Sé”, sentiu a vergonha duma miséria escorraçada. Acolheu o lamento angustiado de mães solteiras, com filhos ao colo, que viviam da prostituição quando esta, em 1962, foi proibida. Era uma humanidade espezinhada e varrida para debaixo do tapete. Apercebeu-se da falsidade duma sociedade que Jesus já condenara “Ai de vós, hipócritas porque sois semelhantes a sepulcros caiados” (Mt 23, 27). Esta consciência agudizou-se quando foi viver para um bairro social. Fez-se e deu voz aos seus vizinhos. Alguns foram levados presos, como aquele pai de família que, a altas horas da noite, viu a casa virada do avesso por dois agentes da PIDE que o algemaram e levaram sem qualquer explicação, enquanto os filhos pequenos gritavam e se agarravam às suas pernas. Vivia-se num estado permanente de angústia com medo de uma acusação. Também a guerra colonial com o seu cortejo de mortos e mutilados era motivo de enorme sofrimento num país vestido de luto. Quando D. António, após o regresso do exílio, lhe perguntou por que é que, sendo conhecido na Câmara como ‘padre comunista’, ainda não fora preso, respondeu: - “Porque não sou; porque anuncio o Evangelho; porque procuro seguir o conselho de Cristo “Sede prudentes como as serpentes, simples como as pombas” (Mt, 10, 16). Alimentado pela doutrina da Gaudium et Spes e encorajado pelo exemplo do seu bispo, de D. Manuel Vieira Pinto e de muitos outros cristãos, denunciava as injustiças concretas de que era e tinha testemunhas. Em assuntos de política geral, apoiava-se em textos publicados para não ser acusado de difundir literatura clandestina ou aliava-se a outros colegas, como aconteceu na homilia- foram 17 - do “Dia da Paz” de 1974 que motivou uma carta do Governador Civil de que leu a versão manuscrita: “Senhor Secretário de Estado, o Senhor Ministro do Interior já conhece “esta declaração de guerra” do dia da “paz” aqui no Porto. Parece que não se vê matéria jurídica suficiente para impugnação. Na pag.3, todavia, encontra V. Excia uma acusação de falsidade à T.V. Não incorrerão os acusadores no crime de difamação previsto no Artº 407º do Código Penal, ou pelo menos no de injúria previsto no seu artº 410? Deixo o problema ao critério de Vª Excia. Consta-me que têm consultor jurídico. Paulo Durão Porto 10.1.74”. O seu conselheiro jurídico era o Dr. Francisco Sá Carneiro. Os passaportes foram suspensos. E se nada mais sucedeu foi porque, entretanto, ‘aconteceu Abril’. Ao finalizar o testemunho, leu S. Paulo: “Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher” (Gal. 3,28). E concluiu: “O Evangelho é um apelo à igualdade, à liberdade e à fraternidade, os três valores matriciais da nossa cultura democrática”. (28/4(2021)