O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, abril 07, 2021

TEMPOS DE PAIXÃO

Bem diz a sabedoria popular que uma imagem vale por mil palavras… O ‘7Margens’, de 8 de março, ao fazer a síntese do último dia da peregrinação do Santo Padre ao Iraque, falava dum encontro, de profundo significado humano, que passou à margem da comunicação social e de que eu não me tinha apercebido: “O Papa encontrou-se com o pai de Alan Kurdi, o menino que morreu no Mediterrâneo em 2015 e cujo corpo foi encontrado numa praia da Turquia e se tornou uma imagem icónica da tragédia dos refugiados que procuram salvação fugindo para a Europa – e cuja mãe e irmão também morreram na travessia. O Santo Padre pôde escutar a dor do pai pela perda da sua família e expressar profunda participação no seu sofrimento”. Esta notícia fez saltar-me à memória a imagem dum menino rejeitado até pelo próprio mar que o matou. E também a de um ancião que, vagaroso e só, atravessava uma Praça de S. Pedro em Roma silenciosa e vazia. A primeira é um grito civilizacional de todos quantos encontraram a morte quando buscavam uma vida de paz e segurança. Na segunda, o Papa Francisco carregava a cruz dum Mundo abalado por um vírus que o pôs em silêncio, uma humanidade vergada sob o peso da sua fragilidade. Podemos não saber o nome do menino nem recordar as palavras do Santo Padre, mas a força dessas imagens ficou-nos na retina. Dois dias depois, 10 de março, a ‘imagem do dia’ apresentada pelo “Jornal das 8”, da TVI , tinha a seguinte legenda: “Freira ajoelhada ‘opõe-se’ às armas”. Era uma fotografia tirada em Mianmar onde um golpe militar derrubou o governo democraticamente eleito provocando uma onda de protestos populares. O exército está na rua e tem ordem para atirar a matar. Já morreram 70 manifestantes, jovens na sua maioria, com centenas de feridos e muitos presos. O que se vê? De joelhos, vestida de branco e braços levantados em forma de cruz, uma mulher enfrenta um pelotão de militares fortemente armados, um dos quais está de joelhos com as mãos postas em gesto de oração Quando, depois, um repórter perguntou a esta freira - um novo ‘ícone da paz’ - a razão da sua atitude, respondeu: “Eu pedia-lhes que me matassem a mim e não os jovens”. Já na véspera, sob o título ‘De joelhos para desarmar o ódio”, o Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura denunciava a violência em Myanmar e exaltava a coragem dos cristãos: ”Fazem escudo com o seu corpo. Por vezes com lágrimas, por vezes com os braços abertos em sinal de paz, ou dirigidos para o alto, em oração. Consagradas, sacerdotes e alguns bispos nestas horas desceram às ruas, em várias cidades do país, com o único propósito de salvar jovens vidas, enquanto o exército birmanês executa uma vaga de repressão cada vez mais forte.” Ao falar da freira ajoelhada, acrescentava que “alguns soldados, de religião budista, ajoelharam-se junto a ela, mostrando respeito e empatia para com a sua presença e as suas palavras de mansidão e compaixão”. Uma Igreja apaixonada é uma igreja apaixonante. Não é sem razão que, num país budista, uma capital de província onde as consagradas saíram à rua por, diziam, “temerem que os polícias matassem os jovens manifestantes”, tenha uma população com 30 por cento de cristãos... (31/372021)