O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, fevereiro 28, 2018

Homem do silêncio...



Há dias, em Ermesinde, fui surpreendido pela “Rua Monsenhor Miguel Sampaio”. Esta feliz descoberta fez-me recuar a 1951, o meu primeiro ano no Colégio de Ermesinde. Tempos duros. Crianças com saudades da terra, faltava-nos o aconchego do lar… Não havia carinho. Éramos tratados com muita frieza, exceção feita ao diretor, P. Miguel. Não mais esqueço as amêndoas que me deu na Páscoa. Ainda hoje me sabem bem…

Voltei a encontrá-lo, em 1960, já reitor do Seminário da Sé. A mesma humanidade que aliava a distinção no trato à afabilidade na convivência. Fez do Seminário Maior um espaço de diálogo e de confiança.

Para despertar nos alunos a preocupação pelos pobres, abriu a igreja de S. Lourenço (dos Grilos) aos moradores do bairro da Sé, um viveiro de gente esquecida. Para além da catequese, organizou cursos para jovens e disponibilizou uma sala de convívio para adultos. Criou um parque infantil. Patrocinou colónias de férias. Apoiou a Conferência de S. Vicente de Paulo. Tudo com a colaboração dos seminaristas a quem confiava a coordenação. Como dizia: “Não se pode educar para a responsabilidade se não se educa para a liberdade”.

“Homem do silêncio” lhe chamou o P. Carneiro Azevedo, no artigo que escreveu aquando da sua morte e de que respiguei algumas notas.
“Nasceu em Santo Adrião de Vizela, a 17 de Abril de 1910 e foi ordenado presbítero na Catedral do Porto, em Outubro de 1932.
De professor no Colégio de Ermesinde, passou para o Seminário de Trancoso de que foi vice-reitor. Em 1947, voltou, como diretor, ao colégio e seminário de Ermesinde, cargo que exerceu até 1960.
Foi este o período áureo da ação do padre Miguel Sampaio que se traduziu na reestruturação da vida do Colégio. E, ainda, criou uma espécie de sopa para os pobres. Amigo do Padre Américo, contribuiu para a construção de dois núcleos de casas, a expensas do Colégio, entregues ao "Património dos Pobres".

Profundamente bondoso, a prática de caridade refletia-se na maneira como recebia, indistintamente, todas as pessoas que solicitavam a sua ajuda de carácter material ou espiritual.
 Embora lhe custasse muito o sacrifico da obediência, pela sua ligação ao Colégio e ao povo de Ermesinde, teve de aceitar, em 1960, a nomeação para reitor do Seminário Maior do Porto. Visitou seminários no estrangeiro para assimilar o que tinham de mais válido e adaptável na formação moral e intelectual dos seminaristas do Porto.”

E terminava: “Partiu para Deus um grande homem, verdadeiro ornamento do clero da Diocese, credor de imensa gratidão”.

 Nas exéquias na Sé Catedral, presididas por D. Armindo, concelebraram 70 presbíteros, os três bispos auxiliares e D. Manuel Martins. A rua de Ermesinde perpetua a sua memória.

Não se agradecem amêndoas em mantos de silêncio…Muito obrigado. (28/2/2018)