O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, outubro 13, 2010

Um Bispo de “Coração Quente”

“Porque é que Você, que é Bispo, quando vem falar comigo, nunca fala de Deus e da religião, mas do povo, da defesa dos seus direitos e da sua dignidade?”, perguntou o presidente Samora Machel. ”Porque um Deus que precisasse da minha defesa seria um Deus que não é Deus. Deus não precisa que O defendam. O Homem sim”, respondeu.

Quem é este Bispo?

Director espiritual do Seminário de Vilar, dizia aos alunos “Cristo quer padres de coração quente que façam da sua missão um serviço apaixonado a Deus e às Pessoas.”

Ele próprio foi um sacerdote “de coração quente”. Um apaixonado. E foi essa paixão que arrastou multidões atrás de si. Ficaram memoráveis as conferências que enchiam o Palácio de Cristal com mais de 15 000 pessoas. Eram lufadas de liberdade num país amordaçado. E as “semanas pastorais” foram sementes de futuro para um clero em renovação conciliar.

Foi essa mesma paixão que, já bispo, o fez beijar um bebé negro ao chegar à sua diocese em Moçambique e o levou a cometer o “crime” denunciado pela PIDE em 1971: “acariciava os pretinhos, visitava-os nas suas palhotas e, quando algum lhe retribuía a visita, se porventura se encontrava à mesa, não tinha rebuço em fazer sentar o visitante, sem olhar à sua condição social, maneira como vestia ou se apresentava”.

Foi expulso, como “famigerado traidor à Pátria”, no início de 1974, porque defendia a dignidade da pessoa humana e denunciava os horrores da guerra colonial.

Após a independência, clamou contra a violência que se abatia sobre o povo moçambicano, ao ponto de, logo em 1975, ter sido expulso como “reaccionário”, embora só simbolicamente, na pessoa do seu secretário particular. E na sua Catedral, teve a força de proclamar bem alto: “Meus filhos, tanto me bati pela vossa liberdade, e não sois livres! Fui avisado de que há quem não goste das minhas homilias. Mas eu expus a minha vida por vós. A minha vida não é minha, mas vossa. Entreguei completamente a minha vida pelo Homem em Moçambique. Se disparardes contra mim, hei-de gritar ainda mais alto, depois de morto”.

Sempre a mesma paixão e a mesma coragem. Porque, como escreveu Anselmo Borges, ele, “ Bispo de Deus e da Igreja, quer ser Bispo do Homem, seja quem for, independentemente da raça, cor ou religião. A sua opção não foi por um regime ou sistema mas pelo Povo e o Homem, tendo a preferência o humilhado e esquecido”.

Em Junho de 1992, recebeu uma longa carta de João Paulo II: “São, afinal, já tantos anos que Tu tens vivido, não em regiões tranquilas e prósperas, mas, pelo contrário, nessas terras onde as armas continuam a semear tão grandes calamidades contra o povo. Nós queremos apresentar-te os nossos rasgados louvores, porque nunca deixaste de cumprir generosamente os teus deveres de Pastor. Entregaste-te de alma e coração, cumprindo incansavelmente todos os teus deveres de Bispo.

Este grande missionário, natural de Amarante, ordenado presbítero na Sé do Porto em 1949 e sagrado bispo na igreja da Trindade em 1967, que D. António Ferreira Gomes colocou “na galeria dos bispos de quem se honra a Igreja em Portugal”, é D. Manuel Vieira Pinto, Arcebispo Emérito de Nampula que, muito doente, vive entre nós, na Casa Sacerdotal.
A nossa homenagem.
É parca a gratidão dos homens e curta a sua memória…