O Tanoeiro da Ribeira

quinta-feira, março 20, 2025

A TOPONÍMIA NA MEMÓRIA DAS TERRAS

Há dias estive a reler o ‘Inquérito Arqueológico da Diocese do Porto’, organizado por D. Domingos Pinho Brandão, então reitor do Seminário da Sé. O Questionário incluía 19 entradas, a última das quais dizia: “- Lista, quanto possível completa, por ordem alfabética, dos lugares e sítios dessa freguesia e dos nomes mais caraterísticos dos seus montes e campos”. Na ocasião, não compreendi a pertinência desta solicitação num ‘inquérito arqueológico’, mas, hoje, passados quase setenta anos, vejo o seu alcance. A toponímia mantém tradições e referências que, doutro modo, se iriam perdendo ao longo dos tempos. E vários são os fatores que contribuem para essa perda: - Atribuição de nome de pessoas e acontecimentos a ruas com denominação antiga. Apenas três exemplos na cidade do Porto: a ‘Praça das Flores’ deu lugar à ‘Praça Dr. Teotónio Pereira’; a Praça Marquês do Pombal substituiu o antigo ‘Largo da Aguardente’, e o Campo 24 de Agosto fez esquecer o ‘Poço das Patas’ que, na Idade Média, fora ‘Campo de Mijavelhas’, como, no século XV, escreveu Fernão Lopes, na Crónica de El Rei D. João I: Elles todos prestes com grande esforço e vontade, sahiram todos fora, e foramsse apousentar ao chafariz de Mijavelhas que he pequeno espaço da cidade…” - Construção de novos arruamentos e urbanizações. Lembro dois casos contrastantes: . Um, negativo, remonta ao século XIX. A abertura da rua de Mouzinho da Silveira fez desaparecer a velha rua das Congostas que, da Alfândega Velha subia até ao Largo de S. Domingos de que, ainda hoje, há vestígios no Pátio de São Salvador. E também a igreja e o hospital de S. Crispim, padroeiro dos sapateiros, que nos recordavam os mesteirais da Idade Média. Atualmente, existe a Rua Nova de S. Crispim, junto do local para onde foi transferida a velha ‘igreja’, na rua de Santos Pousada, perto da Praça Rainha D. Amélia. . Outro, positivo, dos nossos dias - A abertura da Alameda de Cartes veio dar centralidade a um lugar muito antigo que foi sendo marginalizado. A propósito deste nome, um parêntesis: D. Florentino ao atribuir o nome ‘Nossa Senhora do Calvário’ à paróquia experimental que criou em 1967, no Porto Oriental, quis fazer memória dum antigo calvário que havia ao cimo da rua da Senhora de Campanhã. D. António Ferreira Gomes, em 1972, ao analisar o processo da sua criação definitiva, sugeriu que se chamasse ‘Nossa Senhora de Cartes’ porque este nome lembrava Chartes (Caridade). Consultado o Conselho Paroquial, este optou por manter o nome anterior e D. António respeitou a sua opinião. O mesmo Conselho solicitou à Comissão de Toponímia do Porto que a rua para a futura escola secundária recebesse o nome de Rua de Nossa Senhora do Calvário porque aí iria ser construída a sua igreja paroquial. O pedido foi aceite. E a rua aí está. A Câmara do Porto, ao atribuir o nome ‘Cartes’ à alameda que cobriu o ‘rio de Cartes’ e liga a VCI ao Parque Oriental da Cidade e à A43, veio perpetuar um nome que tendia para o esquecimento. E assim, se a rua de Nossa Senhora do Calvário dignifica uma memória que D. Florentino queria preservar; a Alameda de Cartes veio dar visibilidade a um nome que D. António acarinhava. - Nas aldeias, a substituição dos lugares por ruas. Em Campo, a minha terra, os organizadores mantiveram os nomes de alguns lugares, recorrendo à denominação ‘Rua Central’, da Ribeira, de Balselhas etc,, mas perderam-se sítios com grande significado como o da ‘Pica’ onde, durante a batalha de Ponte Ferreira, os liberais e os absolutistas, numa luta corpo a corpo, se ‘picavam’ com a ponta das baionetas, e o da ‘Cortinha do Porto’ no Couto de Luriz, onde, segundo velha tradição, terá nascido Santa Mafalda. O mesmo terá acontecido em muitas outras terras… Termino com uma sugestão: amigo leitor, se puder, registe o nome dos lugares e sítios que ainda persistem na sua terra. Preservá-los, é manter a memória das suas raízes. (19/3/2025)