O Tanoeiro da Ribeira

domingo, fevereiro 16, 2025

DIÁLOGO NA AÇÃO

“A unidade dos cristãos poderia ser cumprida se tivermos um objetivo ainda mais amplo e ainda mais importante, que é a unidade escatológica de todas as pessoas. Não é suficiente pensarmos apenas na unidade entre os cristãos. A unidade dos cristãos deve ser o instrumento da reconciliação de toda a Humanidade, que é muito importante no nosso tempo, quando o mundo está dividido.” Estas palavras do teólogo checo, Tomás Halik, em entrevista ao ‘7Matrgens’ (30/11/2024), fizeram-me vir à mente uma fotografia exposta no Museu Aristides de Sousa Mendes. Em reportagem, no facebook, sobre a visita que, com 35 amigos, fiz, no passado dia 29 de outubro, a esse Museu, assim legendei essa fotografia: “Aristides com o Rabino Kruger, dois amigos, e duas religiões: um judeu e um católico. O diálogo na ação”. Aristides Sousa Mendes assumia-se claramente como católico. Prova-o o monumento a Cristo-Rei que mandou construir ao cimo da sua ‘Quinta do Passal’ como informa uma placa na base desse monumento: “Monumento a Cristo Rei – mandado construir em 1933 pelo ilustre cabanense Doutor ‘Aristides de Sousa Mendes’, diplomata que ao exercer as funções de Cônsul – Geral em Bordéus – 1940 – salvou milhares de vidas do holocausto nazi da II Guerra Mundial” A sua desobediência às ordens de Salazar foi uma ‘loucura’ que o levou à miséria e acarretou a desgraça para os seus quinze filhos. Com razão ele se interrogava: “Que mundo é este em que é preciso ser louco para fazer o que é certo?” E por que o fez? - podemos perguntar-nos. Testemunho claro da sua motivação são as suas palavras, em 17 de junho de 1940, “Mesmo que me destituam, só posso agir como cristão, como me dita a minha consciência; se estou a desobedecer a ordens, prefiro estar com Deus contra os homens do que com os homens contra Deus”. E o Papa Francisco, em 17 de junho de 2020, reconheceu-o, ao criar o ‘Dia da Consciência, ‘inspirado no testemunho do diplomata português Aristides de Sousa Mendes, que há 80 anos decidiu seguir a voz da consciência. É um dia que marcará a história da humanidade”. A sua longa carreira diplomática, iniciada em 1910 na Guiana Britânica, passou por Espanha, Tanzânia, Brasil, Estados Unidos, Bélgica e França. Entre 1928 e 1938 foi Cônsul Geral em Antuérpia onde era rabino Jacob Krugel que havia fugido da Polónia ocupada pelo exército de Hitler. Nos finais de 1939, já Cônsul-Geral em Bordéus, emitiu alguns vistos de entrada em Portugal, desobedecendo às instruções do seu governo. Entre as pessoas que ajudou, contava-se o rabino Kruger. Em 16 de junho de 1940, recebe-o em sua casa e promete-lhe que iria fazer tudo o que pudesse para convencer o Estado português a conceder visto aos milhares e milhares de refugiados que definhavam à porta dos consulados. Na manhã do dia 17, o Governo de Salazar nega-lhe a solicitada autorização. Contrariando estas ordens, Aristides informa o rabino que iria passar vistos de entrada em Portugal: “A partir de agora, darei vistos a toda a gente, já não há nacionalidades, raça ou religião”. E o que fez o rabino Kruger, face a esta inesperada atitude? Aproveitou o visto que lhe havia sido concedido e partiu imediatamente para Portugal fugindo à morte que o esperava? Não. Pelo contrário, permaneceu em Bordéus a colaborar com Aristides na passagem dos vistos. E, entre os dias 17 e 19 de junho, ajudou a libertar da morte dezenas de milhares de pessoas. E assim, dois homens, sem confrontarem princípios religiosos, deram as mãos numa ação conjunta em favor da Humanidade. Não perderam tempo a discutir razões. Dialogaram na ação. Que a oração suscite, nas igrejas locais, iniciativas que congreguem as diversas confissões religiosas em serviços concretos de apoio à comunidade. E o ‘sínodo’ (caminhar juntos) acontecerá na cumplicidade do agir. E os ‘crentes’, congregados na ação, serão fatores de união numa sociedade cada vez mais polarizada, sementes de paz num mundo cada vez mais conflituoso. (5/2/2025)