O MEU ATLAS ESCOLAR E O DR. MÁRIO SOARES
O livro escolar mais antigo que guardo como relíquia preciosa e que, ainda hoje consulto, é “O Novo Atlas Escolar Português” em que, na primeira página, escrevi: ‘Pertence ao aluno – 3.º Ano - João Alves Dias - Seminário S. Coração de Jesus (Trancoso) – 1953’. A ele devo a paixão pela geografia e pela cartografia.
Lembrei-me dele quando, no passado dia 6 de dezembro, a Assembleia da República comemorava os 100 anos de nascimento de Mário Soares.
E a razão desta evocação esteve numa entrevista, “originalmente publicada no Público” (22/12/1996) que, nesse dia, o ‘7Margens’ incluiu num texto com o título Mário Soares: “Sou talvez um místico que se desconhece”.
Partilho convosco algumas das suas falas
P. - O facto de o seu pai ser católico teve alguma influência na sua opção perante a religião?
R. - O meu falecido Pai foi sempre e é, ainda hoje, para mim, uma grande referência moral e política. Era um católico sincero, muito piedoso, um espírito religioso, que foi padre e depois casou, catolicamente, com a minha Mãe, no fim da vida, muito preocupado com a salvação, mas de uma enorme tolerância e abertura de espírito. Nunca me impôs qualquer comportamento religioso, deixando-me inteiramente livre nas minhas opções.
P. - Quando ele começou a perceber que o filho não tinha fé, não entrou em conflito?
R. - Quando percebeu que eu não tinha fé, respeitou sempre a minha posição, designadamente em matéria de casamento ou de não baptismo religioso dos meus filhos. O problema religioso, após a adolescência, foi uma questão que, para mim, deixou de se pôr, entre nós, e que em nada afectou as nossas relações de enorme carinho mútuo.
P. - E a conversão da sua esposa ao catolicismo, depois do acidente do seu filho: provocou algum efeito na sua vida pessoal?
R. - São conhecidas as condições dramáticas em que o problema da fé se lhe impôs. Não somos casados pela Igreja. Sempre foi muito discreta nesse particular. Achamos ambos que se trata de uma opção íntima, da esfera individual própria, de cada um de nós, que sabemos não nos é comum e, por isso mesmo, não é motivo de discussão ou sequer de conversa. Vivemo-la no respeito mútuo e na tolerância recíproca. Bem como os meus dois filhos.
P. - A “fé no homem” é uma afirmação que costuma fazer. Mas também tem dito que não sabe “se existe Deus”. São coisas diferentes? Como define a sua posição religiosa actual?
R. - Talvez seja, como disse uma vez Jean Guitton, “um místico que se desconhece”. Não sei… Em qualquer caso, acredito no homem e tenho fé no progresso da condição humana e no destino do homem. Mas não acredito em Deus, ou pelo menos num Deus antropomórfico, preocupado com os nossos problemas humanos, nem, muito menos, na imortalidade da alma.
A minha posição religiosa actual? Considero-me, como sempre me considerei, agnóstico. Não tenho certezas sobre coisa nenhuma (só dúvidas e interrogações) nem, menos ainda, certezas negativas, como acaso terei tido nos tempos em que estive mais próximo do marxismo.
P. - Quando pensa na morte, qual é o seu sentimento mais profundo?
R. - O mistério da morte – como o da vida – fascina-me e perturba-me. Nos últimos anos, como é natural, são mistérios que se insinuam com mais frequência nas minhas reflexões. Quanto à vida eterna, infelizmente, não acredito nela. Como já lhe disse. Sou demasiado racionalista para acreditar.
Quanto à morte? Eis uma certeza que todos temos – talvez a única indubitável – e de que não devemos fazer abstracção, sobretudo nos momentos mais eufóricos ou solares. Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris… É triste, mas é assim. “
Chegados aqui, o meu leitor interrogar-se-á: Que tem esta entrevista a ver com o dito Atlas Escolar?
E eu explico: Mário Soares fala, com muito carinho, de seu pai. Ora o dito “Atlas” – o melhor de todos, disse o professor de Geografia, P. Delfim, a meu pai - tem como autor ‘João Soares – Antigo Professor do Instituto dos Pupilos do Exército’. Ou seja, o pai de Mário Soares que, segundo a sua biografia, “foi autor do ‘Novo Atlas Escolar Português, com quatro edições em 1943”. O meu Atlas é da 4.ª edição, atualizada, de Agosto de 1951.
Quem diria que o autor do meu ‘Atlas’ era o pai daquele que viria a ser o político que sempre lutou pela Liberdade: antes do 25 de Abril, contra a direita fascista de Salazar; antes do 25 de Novembro, contra a esquerda comunista de Cunhal… A minha gratidão.
(12/2/2025)
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