MARROCOS - TERRA MÁRTIR - II
Foi com memórias da infância e algum estremecimento que, num miradouro sobre a ‘medina’ (cidade antiga) de Fez, vi uma ‘miríade de casas brancas coroadas de terraços, por cima dos quais se erguem belos minaretes de mosaico, palmeiras gigantescas, torrezinhas ameadas, pequenas cúpulas verdes’.
E pensei: Foi num cárcere desta cidade que morreu D. Fernando - o ‘Infante Santo’ - um dos príncipes da ’Ínclita Geração’ de que falarei no próximo número.
Fundada no ano 808, a mais antiga das cidades imperiais, rapidamente se transformou na capital política, religiosa, cultural e artística de Marrocos.
No século XII, o seu prestígio intelectual e artístico propagou-se por toda a Europa. O nosso guia, marroquino, dizia, orgulhoso-: - “A universidade Karauine, do século IX, foi a primeira universidade do mundo”. Ainda hoje, Fez é a capital cultural de Marrocos.
No século XI, os almorávidas embelezaram a cidade, e, no século XII, os almóadas suplantaram a sua influência. As dinastias posteriores continuaram a enriquecer a estrutura urbana com numerosos monumentos, bem conservados, que constituem um valioso expoente do estilo hispano-mourisco. Um historiador árabe escreveu: “Oh Fez! Todas as belezas da terra estão reunidas em ti’.
Passe a hipérbole poética, a verdade é que confirmámos a sua beleza ao ver as portas de bronze do Palácio Real e ao percorrer as ruas estreitas e labirínticas da ‘medina’ - Património da Humanidade. Aí, apercebemo-nos do modo de ser e viver do seu povo e da sua extraordinária riqueza artística.
Percorrer a ‘medina’, apreciar os produtos e seus vendedores, contemplar os monumentos, experimentar os ‘encontrões’, ver o colorido, sentir os cheiros, é uma experiência única e um pouco asfixiante para os claustrofóbicos…
Merecem, uma visita as oficinas do artesanato tradicional de que é o grande centro marroquino, com destaque para os artefactos de cerâmica, bronze e couro.
Seguimos, depois, para Mequinez que, com Fez, Marraquexe e Rabat, forma o quarteto das cidades imperiais. Construída no século XVII é Património da Humanidade. Quem a visita surpreende-se com o triplo cinturão de muralhas e bastiões. Foi fortemente afetada pelo ‘terramoto de Lisboa’. Merecem realce as grandes muralhas do palácio Real, o Túmulo de Mulai Ismail e a Porta de Bab el Mansor.
E terminámos em Casablanca., a maior e a mais europeia das cidades marroquinas e capital económica do país. O seu nome deve-se aos portugueses que, no século XVI, quando aí chegaram viram uma casa branca no cimo duma colina. Reconstruiram, fortificaram a povoação e deram-lhe o nome de ‘Casa Branca’. Os ataques das tribos vizinhas e os destroços produzidos pelo terramoto de 1755 levaram os portugueses a abandonar a cidade, no século XVIII. Da nossa presença ainda resta um farol junto ao porto.
Dos seus monumentos, ganha especial relevo a majestosa Mesquita de Hassan II. Para se aquilatar da sua grandeza basta dizer que é o edifício religioso mais alto do mundo e o segundo maior recinto sagrado dos muçulmanos. Entre as muitas curiosidades, destaca-se o facto de dois terços do recinto estarem sobre o oceano, para respeitar dois versículos do Alcorão: ‘O trono de Deus estava sobre as águas’; ‘Fizemos da água a origem de toda a vida’.
Mais que as suas dimensões arquitetónicas, a mesquita, situada no extremo noroeste da ‘Terra do Islão’, pretende ser o ‘ponto de encontro das diversas civilizações – a africana, a europeia, a mediterrânica e a árabe, que rodeiam Marrocos’.
Concluindo…
Ao fazer esta viagem, não podia adivinhar que, passados uns meses, esta terra tão próxima e tão diferente, iria ser vitima dum terramoto que terá afetado “cerca de 450 mil pessoas (SIC, 15/9/2023); provocado “quase três mil mortos (JN, 15/9/2023) e destruído “56 mil casas em 2.930 localidades” (CNN, 26/9/2923)
A simpatia sofredora do seu povo espelha-se no sorriso agradecido da pequenina Fatima Zahara pelo parque infantil da sua aldeia e no lamento resignado das suas palavras: “A vida aqui é muito difícil”. (Noticiários televisivos do passado dia 18)
Marrocos, terra rica de contrastes, deixou-nos marcas na memória. E a sua tragédia fez-se bem mais próxima… (3/10/2023)
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