' A URGÊNCIA DA CIDADE: O PORTO E OS 100 ANOS DE FERNANDO TÁVORA'
Este é o título da exposição que abriu ao público, no passado dia 24, na “Antiga Casa da Câmara” no Morro da Pena Ventosa (Sé).
Na inauguração, Rui Moreira falou dum ato de homenagem ao arquiteto que revelou “sempre um grande respeito pela memória, património e identidade da cidade”.
Esta afirmação fez-me recuar a uma conferência do prestigiado arquiteto, na década de oitenta, e recordar a sua emoção ao falar da ‘patine’ nos granitos da cidade que nasceu e cresceu numa dialética de confronto entre o monte e o vale; o bispo e a burguesia: o Porto fez-se episcopal, no topo do ‘Morro da Pena Ventosa’, cresceu, burguês, ao descer para o rio da Vila e expandiu-se, monástico, ao subir o ‘Morro do Olival’.
Tudo começou quando, em 1120, a rainha D. Tereza doou o “Couto do Porto” a D. Hugo, fazendo da cidade um senhorio episcopal.
Como símbolo maior do seu domínio, os bispos, ao longo do século XII, levantaram a imponente Sé do Porto. Para atrair povoadores e desenvolver a economia, D. Hugo, logo em 1123, concedeu foral aos seus moradores. E o Porto galgou a velha ‘cerca sueva’ de origem romana…
Os conflitos com o clero regular fizeram-se bem notados, em 1233, quando o bispo e o cabido se opuseram à fixação dos franciscanos na cidade. Símbolo maior da afirmação do poder monástico é o monumental mosteiro beneditino no topo do ‘Morro da Vitória’ rivalizando, em grandeza, com a Sé episcopal.
Os conflitos com os Cidadãos do Porto foram-se acentuando à medida que mesteirais e comerciantes foram crescendo em riqueza e poder. Não foi por acaso que D. Afonso IV nomeou Afonso Martins Alho, um burguês do Porto, para, em 1353, negociar com Eduardo III o primeiro acordo comercial com Inglaterra. E a sua argúcia foi tal que deu origem ao dito portuense: ‘é fino como o Alho’ que, numa pequena deturpação, derivou para ‘é fino como um alho’.
Esses conflitos só viriam a terminar quando D. João I, em 1405, comprou por ‘três mil libras de moeda antiga’ o senhorio da cidade ao bispo do Porto.
A construção da “Casa dos 24” - também ela um símbolo - no século XV, “a apenas sete metros das paredes da catedral, com cem palmos de altura (cerca de 22 m)” foi uma afirmação do poder crescente da burguesia que quis, assim, perpetuar a memória desse clima de confronto. Primeira sede do poder autárquico do Porto, aí se reuniu, até final do século XVII, a assembleia dos ‘homens-bons’, ou os representantes dos ‘24 ofícios’ da cidade.
Destruído o edifício por um incêndio, em 1875, as suas ruínas ficaram abandonadas até que, em 1995, a Câmara Municipal da época encomendou ao Arquiteto Fernando Távora um projeto de recuperação “para perpetuar a história da cidade”.
A recriação, inaugurada em 2002, foi objeto de críticas contundentes e o seu autor alvo de acusações de anticlericalismo como se fora o seu criador, quando ele se limitou a recriá-lo, procurando ser fiel à história e à “volumetria original”.
No 100.º aniversário do seu nascimento, associo-me à homenagem que tão justamente a Cidade lhe presta.
Conheci-o em 1970 - já ele era “homem de cultura” na Escola de Belas Artes do Porto e “homem do povo e com o povo” no Centro Social do Barredo - quando, mandatado por D. António Ferreira Gomes, o fui convidar para a nova direção da Obra Diocesana de Promoção Social que seria presidida por D. Maria Elisa Acciaiuoli Barbosa e de que fariam parte, também, os doutores Sá Carneiro, Silva Ramos e Silva Carneiro.
O compromisso com que abraçou o espírito da Obra e a convivência, durante cinco anos, nas reuniões semanais da direção a que nunca faltava, permitem-me reafirmar o que escrevi:
“Para além da vertente cultural, foi também homem empenhado em causas sociais junto de comunidades carenciadas. Não esgotou a sua atividade como arquiteto, professor, homem de cultura. O seu humanismo transbordou pelas comunidades mais pobres do Porto como o Barredo e os Bairros Sociais. Era um homem de bem, de riso contagiante, de emoção à flor da pele, de humor desconcertante e afabilidade encantadora” (VP, 9/9/2020) que partilhava com D. António grande estima e mútua admiração.
(13/9/2023)
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