HOJE, NÃO AMANHÃ, HOJE
O «ontem» já passou e não volta. O que passou, passou. O tempo, ao contrário do espaço, não é reversível.
Se o passado já não é nosso a não ser na memória e nos seus efeitos, também o futuro o não é, a não ser no desejo.
Nosso é o «agora». Esse, sim, está nas nossas mãos. É nele que a nossa vida se realiza. É um “presente” que Deus nos oferece, um talento que nos confia.
Muitas vezes, temos boas intenções que nunca se concretizam porque as deixamos para depois… Como bem canta António Variações: “Foi mais um dia e tu nada fizeste/ Um dia a mais/ tu pensas que não faz mal/ Vem outro dia e tudo se repete/ E vais deixando ficar tudo igual.
Vem isto a propósito do apelo lançado pelo papa Francisco no primeiro dia deste mês, de que “7Margens” se fez eco com o título: “Estamos a espremer o planeta”.
Nesse dia, foi divulgado um vídeo onde o Santo Padre se associa ao “Dia Mundial de Oração pela Criação”, iniciativa do patriarca Bartolomeu (ortodoxo), de Constantinopla em que “o Papa Francisco envolveu a Igreja Católica há cinco anos, depois de ter publicado a encíclica “Laudato Si - sobre o cuidado da Casa Comum”.
Nele, denuncia, com a clareza que lhe conhecemos: “Estamos a espremer os bens do planeta. Espremendo-os, como se fossem uma laranja. Países e empresas do Norte enriquecem explorando dons naturais do Sul, gerando uma dívida ecológica”. E pergunta: ”Quem pagará essa dívida?” Para logo acrescentar: ”Além disso a dívida ecológica é ampliada quando multinacionais fazem fora dos seus países o que não lhes é permitido fazerem nos seus. É ultrajante.” Sem meias palavras… E deixa o apelo que encima este texto: “Hoje, não amanhã, hoje, temos de cuidar da Criação com responsabilidade. Rezemos para que os recursos do planeta não sejam saqueados, mas partilhados de forma justa e respeitosa. Não ao saque, sim à partilha”.
Esta frontalidade fez-me lembrar o P. Francisco Lorenzo Mariño, no Colóquio Europeu de Paróquias, de Barcelona. Era julho de1967.
Farto da arrogância com que padres do norte da Europa, especialmente holandeses, olhavam a pobre Igreja pobre de Portugal e Espanha, subiu à tribuna e assim falou: - Eu sou o Paco, um pobre cura galego. Sim, somos os pobres da Igreja dos pobres. Vós, os ricos da Igreja dos ricos. Ricos à custa de quê? Da exploração destruidora das matérias-primas do “Terceiro Mundo” a quem, depois, vendem por alto preço os produtos transformados. Sanguessugas de povos que vivem na miséria. E vós que fazeis? Descansais à sombra dessa riqueza iníqua e calais-vos como os pastores de que fala o profeta Isaías (56, 10): “Meus guardas estão todos cegos e não veem nada; são cães mudos incapazes de latir, sonham estirados, gostam de dormitar; são cães vorazes e insaciáveis, são pastores que nada observam, cada qual segue seu caminho, em busca de seu interesse”.
Fez-se um silêncio ensurdecedor…que perdurou na memória dos participantes. E chegou até mim, em 1969, no colóquio de Turim. (30/9/2020)
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