O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, outubro 04, 2017


UM AMIGO...
 

Foi em 1958. A amabilidade do vice-reitor suavizava a austeridade do Seminário da Sé. E surpreendia com seu fino sentido de humor. Foram muitos os alunos que, nesse ano, começaram a frequentar o Seminário Maior. Com não havia quartos para todos, foram colocados aos pares nos quartos disponíveis. A mim calhou-me no corredor do fundo virado para o claustro. Nesse corredor, mas voltado para o rio, estava o quarto do meu primo Manuel Joaquim, finalista de teologia. Embora, sabendo que era proibido, aproveitava a semi-escuridão do longo corredor, para à noite, ir falar com ele, convencido de que ninguém se apercebia da minha transgressão. Pelo Natal, o Dr. Martins chamou-me e perguntou se queria ocupar um quarto individual que, entretanto, ficara vago. Face ao meu sim, comentou, com um sorriso maroto: “Assim já não sofrerás do coração com aquelas corridinhas que, à noite, davas até ao quarto do teu primo…” Sorri, contrito, e agradeci… Isto é saber educar…

Sofreu com o exílio de D. António Ferreira Gomes de quem recebeu o lema -”De pé diante dos homens, de joelhos diante de Deus”- que guiou toda a sua vida. Se D. António ficou na História como “O Bispo do Porto”, também D. Manuel Martins é, por antonomásia, “O Bispo de Setúbal”. “Um Bispo que ninguém calou.” (JN) Voz incómoda. Saiu cedo da sua Diocese…

Aquando da visita que realizou aos campos de refugiados no Malawi, escreveu: “Aqui sentimos em carne viva as chagas dos nossos pecados. O que aqui se passa é um crime da Humanidade e um grito para a Igreja.”

Manifestou sempre grande apreço pela Voz Portucalense. Já Bispo de Setúbal, era a ela que encomendava seus livros. Quando vinha ao Porto, não deixava de a visitar até para se encontrar com o P. Salgueirinho. Após o falecimento deste seu grande amigo, já Bispo Emérito, continuou frequentador assíduo da sua livraria. Notava-se uma grande saudade dos condiscípulos que iam morrendo. Um dia desabafou: “Sabeis, eu tenho muita gente com quem conversar, mas os que estavam no meu comprimento de onda já morreram quase todos”. Havia mágoa no seu rosto… Como me confidenciaram as funcionárias Teresa e Rosa Maria, “A Voz Portucalense perdeu um amigo!” Também o Coro Gregoriano do Porto. Numa Eucaristia em Santa Marinha do Zézere (21/7/2002) louvou o seu trabalho e agradeceu, em nome da Igreja, o serviço que tem prestado à igreja com a divulgação do canto gregoriano: “Sois uma joia da Diocese”. Foi num gesto de gratidão e homenagem que, no Mosteiro de Leça do Balio, o Coro cantou a Eucaristia presidida por D. António Taipa na véspera do seu funeral.

(4/10/2017)

Voz frontal e acutilante na denúncia das injustiças, tornava-se carícia na hora de incentivar e agradecer, como, ainda muito recentemente o fez em carta para um amigo: