UM AMIGO...
Foi em 1958. A amabilidade do vice-reitor suavizava
a austeridade do Seminário da Sé. E surpreendia com seu fino sentido de humor.
Foram muitos os alunos que, nesse ano, começaram a frequentar o Seminário
Maior. Com não havia quartos para todos, foram colocados aos pares nos quartos
disponíveis. A mim calhou-me no corredor do fundo virado para o claustro. Nesse
corredor, mas voltado para o rio, estava o quarto do meu primo Manuel Joaquim,
finalista de teologia. Embora, sabendo que era proibido, aproveitava a
semi-escuridão do longo corredor, para à noite, ir falar com ele, convencido de
que ninguém se apercebia da minha transgressão. Pelo Natal, o Dr. Martins
chamou-me e perguntou se queria ocupar um quarto individual que, entretanto,
ficara vago. Face ao meu sim, comentou, com um sorriso maroto: “Assim já não
sofrerás do coração com aquelas corridinhas que, à noite, davas até ao quarto
do teu primo…” Sorri, contrito, e agradeci… Isto é saber educar…
Sofreu com o exílio de D. António Ferreira Gomes de
quem recebeu o lema -”De pé diante dos homens, de joelhos diante de Deus”- que
guiou toda a sua vida. Se D. António ficou na História como “O Bispo do Porto”,
também D. Manuel Martins é, por antonomásia, “O Bispo de Setúbal”. “Um Bispo
que ninguém calou.” (JN) Voz
incómoda. Saiu cedo da sua Diocese…
Aquando da visita que realizou aos campos de
refugiados no Malawi, escreveu: “Aqui sentimos em carne viva as chagas dos
nossos pecados. O que aqui se passa é um crime da Humanidade e um grito para a
Igreja.”
Manifestou sempre grande apreço pela Voz Portucalense. Já Bispo de Setúbal,
era a ela que encomendava seus livros. Quando vinha ao Porto, não deixava de a
visitar até para se encontrar com o P. Salgueirinho. Após o falecimento deste
seu grande amigo, já Bispo Emérito, continuou frequentador assíduo da sua
livraria. Notava-se uma grande saudade dos condiscípulos que iam morrendo. Um
dia desabafou: “Sabeis, eu tenho muita gente com quem conversar, mas os que
estavam no meu comprimento de onda já morreram quase todos”. Havia mágoa no seu
rosto… Como me confidenciaram as funcionárias Teresa e Rosa Maria, “A Voz Portucalense perdeu um amigo!”
Também o Coro Gregoriano do Porto. Numa Eucaristia em Santa Marinha do Zézere
(21/7/2002) louvou o seu trabalho e agradeceu, em nome da Igreja, o serviço que
tem prestado à igreja com a divulgação do canto gregoriano: “Sois uma joia da
Diocese”. Foi num gesto de gratidão e homenagem que, no Mosteiro de Leça do
Balio, o Coro cantou a Eucaristia presidida por D. António Taipa na véspera do
seu funeral.
(4/10/2017)
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