O Tanoeiro da Ribeira

domingo, maio 29, 2011

O Apelo à Transcendência






D. José Policarpo, ao explicar porque aceitou presidir às exéquias da mãe de D. Manuel Clemente, na igreja da Graça em Torres Vedras, disse que muitas vezes se encontrou com a Maria Sofia, mas “este é um encontro muito especial porque ela ainda está entre nós e, ao mesmo tempo, já goza da densidade do Eterno”.
Esta ambivalência do ainda está e do já não está faz-nos mergulhar no profundo mistério da vida.


Nos funerais, durante a vigília, os familiares ainda procuram iludir a dor com comentários de circunstância: “como está bonito; parece que está a sorrir”. Mas sabem perfeitamente que aqueles olhos nunca mais sorrirão, a boca jamais lhes falará, as mãos deixaram de acariciar. Apesar de esmagados pelo sofrimento, não aceitam que a vida acabe neste fracasso.


Então, no seu íntimo, surge o apelo à Transcendência, na busca da “densidade do Eterno” de que falava D. José Policarpo. A câmara-ardente é um “lugar forte do sagrado”. Não é por acaso que, ao entrar, até os agnósticos manifestam o seu respeito, fazendo silêncio, permanecendo de pé, benzendo-se ou aspergindo o caixão. É que ali mora o sagrado. Aquele é o Tempo Sagrado por excelência. Não admira que, mesmo nas zonas menos cristãs da Diocese, se mantenha a tradição do enterro religioso. Os funerais são o que resta do vínculo que ainda liga à Igreja muitos dos que dela se afastaram. Embora ténue, é uma vela que se mantém acesa. Que fazer para a espevitar?



Segundo A.T. C., na recensão do livro Pastoral da Acolhida – Cativando com gestos simples (VP -30/III), “as pessoas quando vão à igreja desejam encontrar um ambiente fraterno e acolhedor marcado pela simpatia. Uma expressão viva do amor de Deus que nos habita e nos identifica com Cristo pelo Espírito que nos anima”. É esta Pastoral do Acolhimento que o Cónego Milheiro enaltecia ao falar de “uma igreja humilde que caminha com o povo, tudo oferece a quem queira seguir o caminho da Fé”.



Se a Igreja é Mãe, com que carinho deverá acolher os filhos que a buscam em momentos tão dolorosos! Se em Jesus “ninguém vai ao Pai senão por mim”, também na Igreja é pelo Humano que se chega ao Divino. Celebrar a Vida exige um profundo respeito pela morte. Como escreveu A.T.C., o livro “Celebracions en torno a los defuntos” poderá ser um instrumento ao serviço dessa “pastoral de momentos tão favoráveis para anunciar a Boa Nova do Evangelho e testemunhar uma Igreja solidária e portadora de esperança em momentos em que a contingência do ser humano se impõe de tão próxima e tangível”.



Bento XVI, ao falar das “perturbações” de Jesus, diz: “São momentos em que Jesus Se encontra com a majestade da morte”. Também a liturgia deve manifestar, de modo adequado a cada assembleia, este “estremecimento” da Igreja perante a morte e transfigurar a hierofania da morte em epifania da Vida.