O Tanoeiro da Ribeira

domingo, maio 29, 2011

Tempos de Paixão




Foi em Fevereiro. As capas pretas dos universitários que se despediam do Diogo, colega de Engenharia, vestiram de negro o cemitério de Campanhã. Uma multidão acompanhava os pais que choravam o seu filho único. Lágrimas, luto, revolta.




Se o homem fosse apenas razão, poderíamos pensar como o filósofo Epicteto ” Se queres que teus filhos, tua mulher, ou teus amigos vivam sempre, perdeste o uso da razão. Isso é querer que dependa de ti absolutamente o que não depende de forma alguma “. Se somos vasos de barro, porquê surpreender-nos quando se quebram?
Mas nós somos também coração e sonho… E a morte, sempre tétrica, torna-se trágica quando ceifa uma vida a florir…




Uma doença grave surge quando menos se espera. A vida desmorona-se. Nessas horas, reza-se: “Pai, afasta de mim este cálice”. Quando a morte acontece, questiona-se: “Porquê, Senhor? ”
A morte de alguém que muito amamos é uma encruzilhada onde se entrechocam sentimentos contraditórios de aniquilamento e sublimação, revolta e aceitação, esperança e dor. Oscila-se entre a escuridão dos sentidos e a luz da Fé. Sente-se que alguém partiu e se nos tornou mais íntimo. Tudo nos traz a sua presença e a sua ausência.
Os pais confrontam-se com a mais dolorosa das impotências. Concluem que não foram os autores da vida do seu filho nem sequer o podem substituir no leito da morte. Esta humilhação poderá ajudá-los a sentirem-se instrumentos do Amor-Criador. Como escreveu o teólogo galego Torres Queiruga: Deus podia não ter criado o mundo e sabe que, se o cria, terá que ser finito. Por consequência, a imperfeição, a carência, o conflito - o mal - o acompanharão como uma sombra terrível. A experiencia religiosa mais profunda, porém, intuiu sempre que, se Deus criou, é porque valia a pena; que Ele, como Anti-mal de amor infinito, acompanha e sustenta a nossa aventura humana, chamando-nos a colaborar com Ele no trabalho do amor e da justiça, dando sentido à vida e abrindo-nos à esperança.




Na pequenez da sua finitude, os pais, com o coração em lágrimas, dão graças a Deus que os associou à Sua Obra Criadora e pedem forças para, como a Senhora do Calvário -Stabat Mater dolorosa-, aguentar de pé as horas mais duras da tristeza.
Na busca de sentido, perguntam: “Para quê?” – Para completar o que falta à Paixão de Cristo, responde-lhes S. Paulo. A Paixão culmina na Ressurreição; não há Ressurreição sem Paixão.



E, assim, se, pela geração, os pais colaboram com o Pai na Criação; pelo sofrimento, cooperam na obra redentora de Cristo.




A morte não é nada. Apenas passei ao outro mundo. Fala-me como sempre me falaste. Sorri, pensa em mim, reza comigo. Não estou longe, somente estou do outro lado do caminho. Seca as tuas lágrimas e, se me amas, não chores mais. (Sto. Agostinho)