Deus nos sustente com pouco…
Há dias,numa entrevista na televisão, ouvi o comediante e cantor de “A luta é Alegria”, Jel, estabelecer uma relação semântica e linguística entre os termos crise com crisol. Assim como o crisol serve para separar o metal da escória, assim a crise deverá levar-nos a separar o que é bom do que não presta na sociedade.
Esta analogia lembrou-me o crivo com que meus pais joeiravam o centeio. “Crivar” e “criticar” têm o mesmo étimo que significa separar. A crise propicia a crítica, e esta deve começar pela auto-crítica. É má fé, dizia Sartre, atribuir aos outros a culpa pelos nossos fracassos…
No século passado, o mundo esteve dividido em dois blocos, cada um com seu mito de paraíso terrestre: o de leste, “a sociedade sem classes”; o ocidental, “ a sociedade da abundância”. O primeiro desmoronou-se com o Muro de Berlim. A crise económica actual revelou o fracasso do segundo.
O mito ocidental assenta no primado do ter sobre o ser. Já não basta ter uma casa para viver. É preciso que seja própria e, se possível, uma vivenda, com estatuto. O mesmo com os carros: não basta um “simples meio de transporte”, é preciso que dê “status”. Se o outro tem, eu também tenho o direito de ter. As pessoas julgam-se pelo valor -real ou aparente - dos seus objectos e não pelo seu próprio valor.
Como escrevia uma adolescente “ No caso particular dos adolescentes, chegam muitas vezes ao ponto de culpar os pais por estes não terem possibilidades para satisfazer os seus desejos de compra, alegando que se os amigos do seu grupo têm um determinado objecto, eles logicamente também terão de ter ou serão postos de parte.”Esta “sociedade do ter” rapidamente se transformou numa “sociedade do consumo” onde se compra apenas pelo prazer de comprar, como um hobbie que se esgota em si mesmo.
E assim se chegou à sociedade do desperdício; do supérfluo; do inútil feito necessário;do fútil, do efémero; do descartável; do facilitismo; do comodismo; do “pronto a...”; do prazer onde a própria educação não pode impor sacrifícios; da eterna juventude - ser velho é desprezo e a morte tabu . A era do embrulho bonitinho. Palavras, como abstinência, jejum, sacrifício, penitência, mortificação, renúncia, tornaram-se obsoletas e objecto de escárnio. É uma sociedade nos antípodas dos valores evangélicos.
Que fazer?
Na Grécia pagã em crise, o filósofo Epicteto, do século I d.C, aconselhava: “Nunca peças que as coisas aconteçam como desejas, mas procura querê-las como elas acontecem. Por este meio tudo se sucederá como desejas”.
E nós cristãos?
A Quaresma é tempo de revisão de vida. Até que ponto os meus hábitos estão inquinados por este espírito do mundo? É tempo de abandonar o modelo consumista e pautar a vida pelo ideal das Bem-aventuranças (Mat.5,1-11). É hora de regressarmos à simplicidade de vida que se sintetiza na voz do povo: “Deus nos dê muito e nos sustente com pouco.”
Esta analogia lembrou-me o crivo com que meus pais joeiravam o centeio. “Crivar” e “criticar” têm o mesmo étimo que significa separar. A crise propicia a crítica, e esta deve começar pela auto-crítica. É má fé, dizia Sartre, atribuir aos outros a culpa pelos nossos fracassos…
No século passado, o mundo esteve dividido em dois blocos, cada um com seu mito de paraíso terrestre: o de leste, “a sociedade sem classes”; o ocidental, “ a sociedade da abundância”. O primeiro desmoronou-se com o Muro de Berlim. A crise económica actual revelou o fracasso do segundo.
O mito ocidental assenta no primado do ter sobre o ser. Já não basta ter uma casa para viver. É preciso que seja própria e, se possível, uma vivenda, com estatuto. O mesmo com os carros: não basta um “simples meio de transporte”, é preciso que dê “status”. Se o outro tem, eu também tenho o direito de ter. As pessoas julgam-se pelo valor -real ou aparente - dos seus objectos e não pelo seu próprio valor.
Como escrevia uma adolescente “ No caso particular dos adolescentes, chegam muitas vezes ao ponto de culpar os pais por estes não terem possibilidades para satisfazer os seus desejos de compra, alegando que se os amigos do seu grupo têm um determinado objecto, eles logicamente também terão de ter ou serão postos de parte.”Esta “sociedade do ter” rapidamente se transformou numa “sociedade do consumo” onde se compra apenas pelo prazer de comprar, como um hobbie que se esgota em si mesmo.
E assim se chegou à sociedade do desperdício; do supérfluo; do inútil feito necessário;do fútil, do efémero; do descartável; do facilitismo; do comodismo; do “pronto a...”; do prazer onde a própria educação não pode impor sacrifícios; da eterna juventude - ser velho é desprezo e a morte tabu . A era do embrulho bonitinho. Palavras, como abstinência, jejum, sacrifício, penitência, mortificação, renúncia, tornaram-se obsoletas e objecto de escárnio. É uma sociedade nos antípodas dos valores evangélicos.
Que fazer?
Na Grécia pagã em crise, o filósofo Epicteto, do século I d.C, aconselhava: “Nunca peças que as coisas aconteçam como desejas, mas procura querê-las como elas acontecem. Por este meio tudo se sucederá como desejas”.
E nós cristãos?
A Quaresma é tempo de revisão de vida. Até que ponto os meus hábitos estão inquinados por este espírito do mundo? É tempo de abandonar o modelo consumista e pautar a vida pelo ideal das Bem-aventuranças (Mat.5,1-11). É hora de regressarmos à simplicidade de vida que se sintetiza na voz do povo: “Deus nos dê muito e nos sustente com pouco.”
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