O Tanoeiro da Ribeira

domingo, março 13, 2011

“Vamos, lá, comer a sopinha.”



“- Nelinha, vai um chazinho? E umas bolachinhas?”
“- Senhor José, tem aqui o seu leitinho e a sua torradinha.”
“- Miquinhas, sente-se quentinha? Quer uma almofadinha?”


Esta é, certamente, uma forma carinhosa de falar com os idosos mas que os infantiliza ao tratá-los como crianças. E não são. Já percorreram muitos e alongados caminhos. É certo que devem receber muita ternura, mas sem o permanente recurso ao “inho”. Esse tratamento fá-los sentirem-se fora do seu mundo. “Não há cá coitadinhos!”, disse-me uma bisavó a quem eu acabara de ler este trecho.

E os nomes? Não é por frequentar uma instituição, que a senhora que sempre foi “Dona Manuela” passa a ser “Nelinha” e o senhor “Moreira da Silva” muda para “senhor José”. Nem a Dona Maria da Conceição virou “Miquinhas”. É mais um corte umbilical, e este fere a sua própria identidade. Já não bastava o novo espaço… Agora, nem sequer se reconhecem no nome.
Porquê mais esta ruptura? Por que não conservar o nome com que sempre se identificaram?

“Chaminé era assim como um muro que separava dois mundos”. A Casa da Chaminé é o lar de idosos onde decorre a novela ““Às dez a porta fecha”, de Alice Vieira.

No meu deambular pela cidade, tenho reparado que os cafés se encontram cheios de idosos que, aí, passam o dia. É uma fuga à solidão da sua casa. No café, sentem-se integrados na sociedade multi-etária em que sempre viveram: é um bebé que acariciam, uma criança com quem brincam, uma jovem a quem perguntam pela mãe, um conhecido que por ali passa, um casal de vizinhos com quem criam novas amizades.

E nas instituições de idosos?

Sempre as mesmas caras e as idades muito aproximadas… Que fazer para que a diversidade etária entre nesses casas? Para que não se corte o vínculo que os liga à sociedade? Como acabar com este muro que separa dois mundos? É preciso inventar. Na “Chaminé”, era o “Gimbras”, um menino da rua, que, com as suas traquinices, levava uma lufada de ar fresco à monotonia dos idosos.

E as actividades? As mesmas para toda a gente? Uma “senhora de sociedade” sentir-se-á atraída quando a convidam para “dançar o vira”? E uma senhora que passou a vida a ouvir as patroas a falar de telenovelas, agora não gostaria mais de ver o que nunca viu por falta de tempo em vez de ir fazer ginástica, que sempre fez quando esfregava escadas e limpava casas?

Há idosos e idosos...
Conheço uma senhora de 87 anos, perfeitamente autónoma, que continua a cuidar da sua família, e, ainda ontem, recordava, com um sorriso nos olhos, a sua primeira viagem de avião feita no ano passado.
Todos conhecemos pessoas mais novas completamente dependentes e sem interesse por nada.
Mais do que os anos, o que conta é a saúde e o carácter de cada um.
O idoso é, acima de tudo, uma pessoa: um ser único com suas virtudes e defeitos. E como tal deve ser tratado.
Claro que tudo isto é fácil de dizer mas muito difícil de praticar, especialmente, quando se tem de lidar, diariamente, com dezenas de pessoas bem diferentes...
Todos os que trabalham com idosos merecem o nosso louvor. Como são dignos da nossa admiração!... Para eles, vai esta camélia que fotografei na visita que fiz à Quinta Vilar d'Allen, no Porto.




Estas nótulas, aparentemente desconexas, foram suscitadas pelas intervenções do Professor António Fonseca e da Dra Ana Maria Braga da Cruz, no colóquio “Uma sociedade de idosos: que oportunidades” do ciclo “Eis o Homem”.