O Tanoeiro da Ribeira

sexta-feira, setembro 29, 2006

O PORTO E A VIRGEM

Num rexto anterior, estava eu em Bolonha, referi-me ao porto como “Cidade da Virgem”.
Regressado à minha cidade, foi, com espanto, que ao subir a rua dos Caldeireiros me surpreendi com uma capela, com uma bonita imagem a coroar o pórtico de entrada, dedicada a Nossa Senhora da Silva. E, no dizer de Aristóteles, o espanto é a origem da interrogação e da filosofia, dei comigo a pensar: porquê? Quantas vezes terei eu já passado por essa rua no coração do Porto Histórico. Rua íngreme que outrora fora arruamento “daqueles que se ocupavam nos ofícios de ferreiro, latoeiro ou anzoleiro e de que a Senhora da Silva é padroeira.” Foi com a construção da “ponte nova” sobre o “rio da vila” que a rua recebeu a actual denominação. Anteriormente, era um troço da rua do Souto que fazia a ligação da Porta do Olival para o bairro da Sé. Por estes sítios terá passado D. Filipa de Lencastre quando se dirigia para o seu casamento com D. João I, na sé catedral do Porto. Mas, voltemos à Senhora da Silva. Fiquei surpreendido com a invocação da capela porque a Senhora da Silva que conhecia era a imagem que está na Sé, no altar do lado direito do transepto, e que, segundo a tradição, terá sido encontrada no meio de um silvado (daí o seu nome) por uns pedreiros quando estes abriam as valas para assentar os alicerces da Catedral. Mas… essa imagem, de calcário, é do século XV e a Sé do Porto é do século XII… No entanto, como dizia o meu velho e insigne professor que foi D. Domingos de Pinho Brandão, ilustre arqueólogo e historiador, “ a lenda e a tradição também são documentos…”
Também, como por acaso, veio-me às mãos o livro “ Passeios pelo Porto” de Germano Silva. Ao lê-lo, deparei-me com muitas alusões a imagens e invocações da Senhora na cidade. Soube que a Senhora da Silva é uma das imagens históricas do Porto, conjuntamente com as imagens de Nossa Senhora de Vandoma, padroeira da cidade- que se encontra no altar da Sé do lado esquerdo do transepto e que, anteriormente, encimava o arco de Vandoma da velha cerca (suévica?), Nossa Senhora da Batalha, Nossa Senhora dos Remédios e Nossa Senhora de Campanhã.
A Senhora da Batalha, como a Senhora de Campanhã, estará ligada à batalha que, pelos anos de 920, se travou entre o Conde do Porto, D. Hermenegildo, e o rei de Córdova, Abderramen, que queria conquistar a cidade. Foi em memória dessa batalha que nasceu o nome do lugar onde o ataque mouro foi mais violento. Também Campanhã derivará dessa campanha de que os cristãos saíram vitoriosos com grande chacina de mouros cujo sangue coloriu um pequeno riacho que por ali passa e, por isso, se chama rio Tinto. A imagem da Senhora da Batalha, que se venerava num pequeno nicho no interior de uma das torres da Porta de Cimo de Vila da muralha fernandina, teria sido trazida para o Porto pelos Gascões que também teriam trazido a de Senhora de Vandoma. Quase todas as portas da muralha fernandina estavam sob a invocação da Virgem: “ na porta de Miragaia estava a Senhora do Socorro; na Ribeira era a Senhora do Ó; na Porta das Hortas colocaram Nossa Senhora da Consolação; no Postigo da Esperança o culto de Nossa Senhora da Conceição.”
Se em Itália, assistimos às grandes festas do “ ferragosto”, também no Porto, a Senhora de Agosto teve grande devoção. A sua capela que se levantava em frente da entrada principal da Catedral, numa rua que recebera o seu nome, foi demolida com as obras de remodelação do morro da Sé em 1940. Foi reconstruída em 1951 no início da rua do Sol. É conhecida por “ Capela dos Alfaiates” porque a Senhora de Agosto foi a primeira padroeira dos Alfaiates.
A Senhora dos Anjos ( Senhora dos Mareantes) venera-se na capela de Santa Catarina que se levanta no monte que se debruça sobre a antiga Ribeira do Douro ( do Ouro) donde partiram as caravelas para a Conquista de Ceuta. Na igreja da Foz do Douro, onde depois foi construído o castelo da Foz, estava uma imagem de Nossa Senhora do Rosário. Na Foz do Douro, há uma capela com invocação de Nossa Senhora da Luz que protegia os marinheiros na difícil entrada do Cabedelo. Na Cantareira (Chico Fininho…), fica a Senhora da Lapa. Continuando pela margem esquerda do Douro, encontramos a capela da Senhora da Ajuda. Na capela do Corpo Santo em Massarelos venera-se a imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem. Já mais próximo do porto antigo, na igreja de S. João Novo, a protecção é de Nossa Senhora da Guia. Próximo desta igreja, fica a capela de Nossa Senhora da Esperança, encostada ao antigo pano da muralha fernandina. Numa capela anexa ao antigo mosteiro de S. Domingos, venerava-se Nossa Senhora das Neves, padroeira dos mareantes e negociantes do mar. Na igreja de S. Nicolau tinha altar Nossa Senhora da Hora.
E por aqui me fico. Neste texto, socorri-me do autor citado que, como diz o jornal Público, “ devem ser raros os historiadores devidamente credenciados que saibam tanto do Porto passado e actual como este veterano do jornalismo portuense” . Concluindo: razões há para chamar ao Porto "Cidade da Virgem".