NO REGRESSO ÀS AULAS
Começo por uma declaração de interesses. Sou professor - aposentado. Exerci a profissão por mais de 30 anos e só solicitei a aposentação quando uma ministra da Educação me quis roubar a alegria e a dignidade de ser professor. Lecionei, desde o 5.º ao 12.º ano.
No início do ano, nunca dava qualquer orientação sobre comportamento, deixava os alunos à-vontade. Após duas semanas, dizia-lhes: - “Penso que já vos conheço minimamente. Para isso utilizei três instrumentos de análise. Sabeis quais?” – “Foi a folha da caderneta que nós preenchemos.” – “Sim.” - “Foi a ficha diagnóstica dos nossos conhecimentos.” – “Sim. E a terceira?” Fazia-se silêncio. E eu continuava: - “Reparastes onde é que eu vos recebia?” – “À porta da sala”, respondiam. – “Muito bem.” E explicava o significado dessa minha atitude. – “Como vos recebia?” – “Fazia uma inclinação de cabeça e sorria-nos, sem falar. “ - “É verdade.” E explicava porquê. – “E durante este tempo todo dei-vos orientações sobre o modo de estar numa aula? Chamei-vos a atenção por algum comportamento incorreto?” – “Não.” – “Esse foi o meu terceiro instrumento de avaliação. E sabeis o que concluí? Quase todos sois bem-educados. Há, porém, alguns que ainda o não são. Mas, se nem todos sois educados, todos sois educáveis. È para isso que cá estamos.”
E ajudava-os a interiorizar algumas, poucas, normas, porque, já dizia Descartes, melhor vai o reino com poucas leis que todos respeitam que outro, com muitas leis que não são cumpridas.
E dei-me bem com esta metodologia. Ao longo de todo o percurso profissional, nunca marquei uma falta de castigo, nunca expulsei ninguém da sala, nunca me queixei dum aluno ao diretor de turma. Não transferia para os outros o que era da minha responsabilidade. Não usava a ‘caderneta’ nem o ‘livro de ponto’ como instrumentos de domínio e tortura. Preferia a pedagogia do êxito à pedagogia do fracasso. Sempre me assumi como educador e não como um mero instrutor até porque sempre vi os meus alunos como educandos e não como simples instruendos.
No início deste ano letivo, com vénia, partilho convosco o texto “Abrir as Escolas”, publicado pelo JN (5/9/21) na sua revista ‘Magazine” Nele, o consagrado escritor Valter Hugo Mãe escreve: “Abrir as escolas é abrir o futuro, o regresso a essa construção elementar que ensina, educa, estrutura, faz gente”.
E acrescenta: “Alguém protestava dizendo que o papel das escolas é instruir e o das famílias é educar. Por acaso o Governo tem um Ministério da Instrução, ou é mesmo da Educação que tratamos quando tratamos de escolas? (…) A escola, contudo, é a extensão de todas as dimensões e é fábrica humana por excelência, contra toda a ignorância que pode haver numa família, contra todas as precariedades, a favor da auto-estima dos alunos e da sua pura sobrevivência numa sociedade de diferentes e opositores”.
Fui diretor de turma durante muitos e muitos anos e, por isso, posso confirmar a lucidez desta afirmação:
“Os professores, ainda que de disciplinas precisas e perfeitamente programadas, serão inevitavelmente exemplos de maturação emocional que indicarão aos estudantes caminhos para robustecerem e ascenderem acima das suas e das falhas das famílias. A escola não pode senão ser a educação fundamental porque, se deixados apenas ao arbítrio das famílias, os alunos jamais desenvolveriam competências sociais elementares para se relacionarem afectiva e profissionalmente.” O meu bem-haja! (15/9/2021)
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