PELA DIGNIFICAÇÃO DOS POVOS COLONIZADOS - EM MOÇAMBIQUE - (III) - O PALADINO
Já por três vezes falei, aqui, de D. Manuel Vieira Pinto.
O primeiro texto – ‘Um Bispo de Coração Quente’ (20/10/2010) – iniciava com o diálogo relatado por Anselmo Borges:
“Porque é que Você, que é bispo, quando vem falar comigo, nunca fala de Deus e da religião, mas do povo, da defesa dos seus direitos e da sua dignidade?”, perguntou o presidente Samora Machel. – “Porque um Deus que precisasse da minha defesa seria um deus que não é Deus. Deus não precisa que O defendam. O Homem, sim”, respondeu D. Manuel”.
No segundo – ‘Na memória também se vive’ (26/6/2019) - evoquei a minha emoção, na Casa Sacerdotal, ao deparar-me (31/5/2019) com a sua debilidade. Que dor a minha ao ver num estado de absoluta prostração o sacerdote que mais me marcou a vida!... A última vez que o vira fora numa visita que, em 1974, com outros colegas do Porto, lhe fiz em Cartaxo após a expulsão de Moçambique.
O terceiro, por ocasião do seu falecimento (30/4/2020) - “Memórias de um Amigo” (3/6/2020) - terminava com um voto: “Que a memória não silencie quem nunca se deixou silenciar”.
Volto a relevar este ‘paladino de uma nova forma de ser Igreja”, a propósito do livro Moçambique…A Intervenção da Igreja Católica que venho citando. Limito-me a fazer eco da sua palavra.
1.º “Repensar a Guerra” – Homilia na catedral de Nampula, no Dia da Paz (1/1/1974)
- “Eu quero falar-vos uma vez mais da paz” (…)
- “Falar de paz em Moçambique, sem falar lealmente da guerra que o mancha de sangue, seria iludir o problema fundamental, seria aumentar a violência. “ (…) Enfrentemos a guerra e as interpelações que ela nos faz.”
- A Igreja vê na autodeterminação política dos povos um sinal positivo do crescimento da consciência e da liberdade do Homem e dos povos e, ao mesmo tempo, um avanço no processo de libertação e de comunhão da humanidade em Jesus Cristo”.
- Se a paz e a guerra passam também por esse direito, falar da paz e da guerra, aqui e hoje, sem falar do direito de autodeterminação e do seu conteúdo, será certamente iludir um problema de fundo”.
(Nota: Vários padres do Porto fizeram desta a sua homilia, precisamente, no domingo anterior ao ‘25 de Abril’)
2. “Um imperativo de consciência” – Publicado em 2 de fevereiro de 1974.
Se a homilia anterior provocou um ‘tsunami’, a sua assinatura neste documento, elaborado pelos missionários e missionárias combonianos, originou a sua expulsão (14/4/1974).
- “Enviados para anunciar o Evangelho. (…) Com essa finalidade, passamos a anunciar as decisões que, em consciência, julgamos dever tomar.”
- A Igreja renuncia ao seu múnus profético:
.“Não reconhecendo que o povo de Moçambique tem o direito que lhe é conferido por Deus à sua própria identidade e a construir por si mesmo a sua história”.
. “Não iluminando acontecimentos graves tais como a guerra e suas consequências. Aceita uma situação de guerra, seguindo a orientação do Governo de que se trata de uma guerra imposta e não se preocupa em saber se, na verdade, se trata do esforço deste povo de Moçambique para chegar à sua identidade”.
3. “Carta de D. Manuel ao presidente Samora” – Escrita em 1986, denuncia “concretamente as violências que, neste momento, mais humilham e esmagam o Povo, que mais destroem o país e o enchem de vergonha e sangue: os massacres, as execuções sumárias, os assassínios indiscriminados, as crueldades e as torturas”.
“Como diz o Povo, ‘os homens da Renamo desprezam a matam’, ‘os homens da Frelimo desprezam e matam’. Uns e outros não têm pejo em assassinar (…) não sabem mais o que é o respeito pela vida, (…), por isso cometem assassínios a frio: a golpes de baioneta, golpes de martelo, de machado ou chicote; por decapitação, por esquartejamento, pelo fogo ou pelo enterramento das vítimas ainda vivas e obrigadas a abrir a sua própria cova.”
- “Não será a civilização do ódio, da violência e da morte, a civilização da paz e do progresso dos homens e dos povos, mas sim, a civilização da justiça e do amor”.
Concluindo… E ele foi um ‘bispo de coração quente’ quando, na cerimónia oficial da sua chegada a Nampula, rompendo o protocolo, se abeirou da população africana e “arranca dos braços duma mãe negra o filho que ergue em direção ao sol” (pág. 206).
Estava traçado o seu destino… (17/7/2024)
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home