PELA DIGNIFICAÇÃO DOS POVOS COLONIZADOS - EM MOÇAMBIQUE - (II) - O PROFETA
O segundo ‘bispo reformador’ com ligações ao Porto, referido no livro em análise, “Moçambique (…) A Intervenção da Igreja Católica” é “D. Sebastião Soares de Resende (que) foi ordenado padre da Diocese do Porto, (21/10/ 1921), e ali exerceu o seu múnus sacerdotal até à nomeação para a Diocese da Beira - 21/4/ 1943”. (pág. 134). Doutorado em filosofia e teologia, pela Universidade Gregoriana de Roma, foi professor no Seminário Maior e cónego da Sé do Porto. Amigo e companheiro de D. António Ferreira Gomes, outro bispo que muito perturbou Salazar.
“Será correto afirmar que a contestação da política portuguesa na importante colónia portuguesa do Índico foi iniciada pelo ‘Profeta em Moçambique’ (Carlos A. Moreira Azevedo (…)
Para D. Ernesto Gonçalves Costa, seu colega no episcopado, D. Sebastião (…) esteve sempre na vanguarda dos que mais defenderam e lutaram pela justiça, pelos direitos humanos e pela elevação e educação dos moçambicanos”. (pág. 151)
“Na senda de D. António Barroso, D. Sebastião foi uma voz que se ergueu no deserto, em defesa dos direitos do homem africano. Foi no seguimento das suas reflexões que o processo de discussão do papel da Igreja no mundo moderno foi encetado.” (pág. 153).
“O discurso de D. Sebastião era claramente pela igualdade racial, pela justiça, pelo apelo à verdade.” (idem)
A antonomásia de D. Carlos e o testemunho de D. Ernesto fizeram-me evocar dois textos que publiquei em 2010
No primeiro - ‘Um Bispo que incomodou Salazar’ (VP, 20/1/2010), realcei o seu papel profético:
- No Anúncio - Apóstolo da Palavra privilegiou a escrita para o que criou o “Diário de Moçambique” (“Um jornal é mais importante que três ou quatro missões.”, dizia).
E difundiu a Palavra através da Rádio Pax.
Logo na primeira das suas quinze pastorais, afirmou que pretendia lutar por um conjunto de princípios e ia empenhar-se na resolução de graves problemas que assolavam a sociedade africana.
- Na Denúncia - “Impera na Beira a escravatura!”; “ Querem o preto selvagem para continuar a ser animal de carga.”
- No Prenúncio -“ Haverá no futuro muito sangue a correr em África”; “Moçambique tem os seus direitos e uma vez que seja possível, deve tornar-se independente, com negros e brancos a governar”.
- No sofrimento - O seu jornal foi suspenso por três vezes; todos os seus movimentos eram controlados pela PIDE e, em 1962, Salazar impediu a sua nomeação para Arcebispo de Lourenço Marques.
- Na democratização do ensino - Criou muitas escolas básicas. Introduziu o ensino secundário na Beira. Fundou escolas para professores, especialmente nativos. Lutou pela “ Universidade da África Portuguesa aberta igualmente a todas as raças e dotada de todas as faculdades”.
- Na ida de missionários estrangeiros, ao arrepio da vontade de Salazar. Fizeram História os “Padres de Burgos” na denúncia dos massacres de Wiriyamu.
Na igreja moçambicana, deu especial relevo à ordenação de padres negros, contrariando o Governo Português.
Este texto mereceu uma palavra de agradecimento do seu sobrinho Monsenhor e Cónego P. Sebastião Brás, à época. diretor do Colégio de Ermesinde, e uma entrevista que evoquei em ‘Ecos de um texto (VP, 17/2/2010) como caixa de ressonância de D. Adriana Pereirinha que contactou a VP dizendo que conhecera D. Sebastião, na Beira, e que gostaria de falar comigo.
O encontro que tivemos no Lar da Misericórdia de Gaia, concluiu com este testemunho:
“O Senhor Bispo era uma boa figura, alto, elegante. Conversava calmamente, não fazia aceção de pessoas, tanto falava com ricos como com pobres, com brancos e com os negros. Era uma pessoa muito modesta, sem vaidades. Prova disso foi a sua última vontade: quis ser enterrado numa simples campa rasa, no caminho central do cemitério da Beira para que todos pudessem passar por cima dele. A sua campa diz apenas: ‘Sebastião, primeiro Bispo da Beira”.
Termino com as palavras de D. Eurico Dias Nogueira, que foi bispo em Moçambique e em Angola e, também, Arcebispo de Braga: “D. Sebastião foi demasiado grande para ser compreendido por homens demasiado pequenos”. - pág. 150 (10/7/2024
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