O Tanoeiro da Ribeira

sexta-feira, outubro 29, 2021

'UM CORAÇÃO ABERTO AO MUNDO' INTEIRO'

(Continuação do número anterior) No capítulo IV da Fratelli Tutti, detenho-me no subcapítulo “Local e Universal”. Inicia-se no nº 142. “Ocorre lembrar que, entre a globalização e a localização também se gera uma tensão. É preciso prestar atenção à dimensão global para não cair numa mesquinha quotidianidade. Ao mesmo tempo, convém não perder de vista o que é local, que nos faz caminhar com os pés na terra. (…) Portanto, a fraternidade universal e a amizade social dentro de cada sociedade são dois polos inseparáveis e ambos essenciais.” Caminham de mãos dadas. Depois, no nº 143, o Santo Padre demora-se no «sabor local»: “A solução não é uma abertura que renuncie ao próprio tesouro. Tal como não há diálogo com o outro sem identidade pessoal, assim também não há abertura entre povos senão a partir do amor à terra, ao povo, aos próprios traços culturais. Só posso acolher quem é diferente e perceber a sua contribuição original, se estiver firmemente ancorado ao meu povo com a sua cultura. (…) É necessário mergulhar as raízes na terra fértil e na história do próprio lugar, que é um dom de Deus.” Cabe à família e à escola transmitir os valores que nos caraterizam como povo. Quando a cultura não está bem radicada na história local, perdem-se as âncoras que nos seguram no mar agitado do multiculturalismo. Desvirtua-se a nossa identidade e sem esta nunca haverá verdadeiro interculturalismo. Caímos num sincretismo ético-religioso, num hibridismo cultural e, por vezes, num exibicionismo caricato e mesmo numa certa esquizofrenia coletiva. Porém, no nº 146, ao enfatizar a importância do «horizonte universal», avisa: “Há espíritos bairristas que não expressam um amor sadio pelo próprio povo e a sua cultura. Escondem um espírito fechado que, devido a uma certa insegurança e medo do outro, prefere muralhas defensivas para sua salvaguarda. Mas não é possível ser saudavelmente local sem se deixar interpelar pelo que acontece noutras partes, sem se deixar enriquecer por outras culturas, nem se solidarizar com os dramas dos outros povos. (…) O mundo cresce e enche-se de nova beleza graças a sucessivas sínteses que se produzem entre culturas abertas, fora de qualquer imposição cultural”. Simbólica, é a notícia (7Margens, 3/1/2021) “A tradução em língua russa da Fratelli Tutti, acaba de ser publicada. A surpresa é ela ter sido feita e editada por instituições muçulmanas. No prefácio, Damir Mukhetdinov, do Fórum Muçulmano, escreve: “Como pode a tradução de um documento da Igreja Católica Romana ser importante para um muçulmano? A resposta é simples: além das próprias reflexões do Papa Francisco (…) a libertação do preconceito sobre os outros promove maior liberdade de pensamento, o que inevitavelmente leva à libertação do preconceito sobre si mesmo. Esse entendimento mútuo (não só do outro, mas sobretudo de si mesmo) ocorre durante o encontro. E o encontro é a principal mensagem da Fratelli Tutti”. Que bela síntese feita por um muçulmano! Dá que pensar… Segundo o cardeal Tolentino, “a encíclica Fratelli Tutti é uma espécie de corpo de fogo atirado mais longe, um bólide espiritual lançado ao presente e ao futuro” que representa “um novo sonho de fraternidade espiritual”. Seja esse o nosso sonho.(20/10/2021)