O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, abril 06, 2022

A 'PAGANINA' PORTUGUESA

Ao assistir com a neta Clara ao concerto “Viagem a Portugal”, na Casa da Música, recordei o filme “A Sonata de Sempre” transmitido pela RTP2 (27/12/2021) sobre Guilhermina Suggia, a genial violoncelista do Porto que abriu as portas profissionais às mulheres no ”violoncelo que era considerado um instrumento indecoroso para as mulheres, sendo proibida a contratação de violoncelistas mulheres pela própria orquestra da BBC.” Era uma ilustre desconhecida na sua terra, apesar de ter uma rua com o seu nome e de a Fundação Engenheiro António de Almeida ter oferecido à cidade, em 1989, uma sua estátua da autoria de Irene Vilar. Foi a Casa da Música que, em 2005, a trouxe para a ribalta ao dedicar-lhe o “auditório grande”- Sala Suggia - com 1238 lugares por onde têm passado milhares e milhares de pessoas e os músicos de maior nomeada. E quem é Guilhermina Suggia? Nasce em S. Nicolau no Porto, em 1885, numa casa, entretanto demolida, da rua Ferreira Borges. Aos 5 anos começa a aprender violoncelo com seu pai, de ascendência italiana. Em 1898, conhece, no Casino de Espinho, o já famoso violoncelista catalão Pablo Casals que, depois de a ouvir, se ofereceu para lhe dar aulas durante o verão. Em 1901, com Virgínia, pianista e sua irmã mais velha, atua no Palácio das Necessidades para a Família Real. É-lhe, então, concedida uma bolsa que a leva a Leipzig, para ter aulas com Julius Klengel que, logo em 1902, escreveu: “Sem dúvida não tem havido uma violoncelista com o mérito da artista de que me ocupo, que também não tem nada a recear no confronto com os seus colegas do sexo masculino. Mlle. Suggia, possuindo alta inteligência musical e um completo conhecimento da técnica tem o direito de ser considerada, no mundo artístico, como uma celebridade”. Regressada a Portugal em 1903, percorre as grandes salas de concertos da Europa com entusiástico aplauso do público que lhe chamava “A Paganina” por referência ao grande Paganini. Em 1906, já em Paris, toca para Casals com quem inicia um romance que se tornou famoso e levou o compositor húngaro Emanuel Moór a dedicar-lhes o “concerto para dois violoncelos”. Finda a relação em 1913, vai para Londres onde toca com as melhores orquestras e enche o Royal Albert Hall, com os maiores encómios da crítica: “A precisão dos contornos e ritmos em Bach, o charme delicado em Boccherini, o sonho em Hauré – nada mais perfeito poderia imaginar-se”. (Arts Gazette, 29 de Novembro de 1919) Em 1924, regressa ao Porto onde viverá até ao fim dos seus dias. Multiplica-se em concertos por todo o país. O jornal República (16/2/1946) escreveu: “A colossal artista emocionou e encantou a assistência, que lhe fez justamente uma verdadeira apoteose”. O que mais poderá fazer o Porto para preservar a memória desta portuense que tanto o dignificou? O comentário que o The Daily Mail, (27/10/ 1922) publicou: “No Concerto de Schumann, anima com o fogo da sua personalidade o que de outro modo ficaria morto; com a esplêndida largueza de arco e a vivacidade do seu som, Suggia dá alento e brilho à peça”, fez-me recordar a minha ida a Zwickau (Alemanha) onde visitei a casa em que aquele famoso compositor viveu com a célebre pianista Clara Schumann, sua esposa. E pensei: para quando a criação duma casa-museu, com o nome de Suggia e em sua honra, na rua da Alegria n.º 665 onde viveu e faleceu, em 1950? Fica a pergunta…(VP, 6/4/2022)